Melody
Foto: Reprodução / Instagram / @melody
Melody


Ouvir as paradas musicais do Brasil em 2023 promoveu uma experiência comum: reconhecer melodias de hits antigos em novas músicas. “Toca o Trompete”, de Felipe Amorim, resgatou aos fãs as batidas de “Hey Ya!”, do grupo Outkast. “Tubarão Te Amo” levou Tchakabum de volta aos charts , enquanto Melody e Naldo Benny decidiram se inspirar em “Kiss Kiss”, de Chris Brown, para a parceria “Love, Love”. São inúmeros os exemplos que já performaram bem nas plataformas digitais.


Na legalidade, esse processo pode acontecer a partir dos samples ou interpolações. Um sample retira um trecho exato de uma canção para aplicá-lo em outra nova. Já a interpolação não usa os fonogramas de determinada faixa, mas funciona como uma inspiração da obra original para construção da outra música. Em ambos os casos, a autorização dos autores e empresas responsáveis pelas obras é necessária, o que nem sempre acontece na prática.

Enquanto Tchakabum foi creditado na repaginação de “Onda Onda (Olha a Onda)” e Chris Brown também aparece nos créditos de “Love Love”, a canção de Felipe Amorim não oficializa uma inspiração na extinta banda famosa pelo hit. Thiago Hideki, empresário e especialista em música, não vê problema na tendência dos artistas resgatarem sucessos antigos nas novidades, mas condena como a falta de créditos contribui para a desigualdade entre os profissionais do mercado musical.


“Esse é um movimento que acontece há muito tempo, só que agora está muito forte e fazendo muito sucesso. [É preciso] encaixar isso no nosso ecossistema, de forma que todo mundo possa receber e tudo fique bonitinho. Em um mercado que muda muito rápido e ninguém liga muito para os direitos, acho que a nossa maior preocupação tem que ser em preservar o direito de todo mundo, principalmente o direito financeiro de todo mundo. Os músicos que gravaram aquilo eles têm que receber, os autores, quem cantou, quem produziu e está envolvido”, afirma ao iG Gente.

O especialista explica que a remuneração em faixas do tipo varia em cada caso, mas são levados em conta quantos segundos das gravações originais são utilizados e a relevância da obra. Entre os riscos da falta de créditos, Hideki aponta a possibilidade de enfrentar uma briga judicial, perder investimento e até a reputação na área. Ele reforça a importância das plataformas nessa conjuntura, por apresentarem o poder de tirar músicas do ar diante da falta de autorização.

“As plataformas têm responsabilidade nisso porque elas têm aceitado diversos conteúdos, inclusive com artistas que já tem renome, onde tá muito claro ali que precisaria ter um olhar mais clínico para ver se tem as autorizações necessárias. Acho que esse processo ainda é falho nas plataformas e distribuidoras”, avalia. Thiago ainda reconhece que esse não é só um problema dos artistas, mas de toda a cadeia de profissionais envolvidos.


“Uma música não é lançada só porque um artista quer. Na grande maioria das vezes, ela nem é feita baseada em uma ideia do artista. Isso é um problema de muitos setores do mercado. Até de produtores. Tem uma leva nova de produtores talentosíssimos, mas que na grande maioria das vezes não entende nem quais são os direitos deles. Se ele não entende quais são os direitos dele, também não entende quais são os direitos dos outros”, reforça.

“[Também é um problema] de empresários, que às vezes só estão interessados em ganhar dinheiro e sequer entendem quais são os direitos e deveres, como é o mercado da música, como é a lei do direito autoral”, completa. Ao listar as áreas que envolvem a complexidade do assunto, o empresário identifica um “problema sistêmico” no mercado.

“[As músicas baseadas em outras] dão certo, porque são melodias que estão na memória afetiva do grande público, que já fizeram muito sucesso. Da pandemia para cá, existiu um movimento nostálgico muito forte. Mas [a falta de créditos] passa e continua acontecendo porque muitas pessoas nessa cadeia produtiva e de distribuição estão mais interessadas em ganhar dinheiro do que respeitar o direito das pessoas”, pondera.

O especialista acredita que, apesar da concorrência entre as mídias, seria necessária a união das empresas e profissionais para identificar formas de como resolver o problema. Ele aponta como a falta de cooperação prejudica a área, já que, enquanto uma distribuidora nega comprar um trabalho com sample não autorizado, é comum outra empresa aceitar e dar continuidade ao ciclo que prejudica os profissionais.

“Acho que o ponto da informação também é muito importante, por isso faço esse trabalho, por isso que vários colegas do mercado estão fazendo esse trabalho também. Porque muitas vezes essa ideia não começa com artista, às vezes começa com o produtor e muitos ainda não sabem quais são os seus direitos. Se eles não sabem qual seria os seus direitos, eles não tem como respeitar os direitos dos outros produtores e autores”, adiciona Hideki, que produz conteúdos sobre negociações e música nas redes sociais.


O empresário ainda ressalta que este não é um movimento “recente” do mercado, já que o sample é "uma questão cultural do hip-hop e muito usado no funk".

“Acho sim [que essa tendência] que é uma estratégia, proposital e pensada, porque tem funcionado. E é uma questão de fato que já faz parte da indústria da música. Por isso falo que a gente precisa entender como a gente pode, não quero usar a palavra ‘facilitar’ as coisas, mas como a gente pode entender que isso é um movimento [...] Muita coisa precisa mudar de fato, a operação disso precisa mudar e precisa ser mais facilitada, ter mais informação”, conclui.

+ Assista abaixo ao "AUÊ", o programa de entretenimento do iG Gente:


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