Na trama de "Pantanal", Tenório, personagem interpretado por Murilo Benício, enriquece de forma misteriosa antes de chegar ao pantanal. Durante a novela, é descoberto que o empresário enriqueceu "comprando e vendendo terras e caçando jacu". O trabalho remete à função de grileiro.
Tenório, inclusive, é apontado como um dos causadores da morte de Gil (Enrique Diaz) e Maria Marruá (Juliana Paes), já que ele foi o vendedor das terras em que os dois estavam no Paraná para o fazendeiro que era pai da Muda (Bella Campos). Mas o que é um grileiro? Em entrevista ao iG Gente, David Zamory, coordenador estadual do MST em São Paulo, explica como funciona a prática.
A grilagem de terras é a falsificação de documentos para tomar posse delas. Segundo David, a grilagem tem origem no século XIX. "Ela nasceu quando o governo liberou a compra de terras que antes eram do Estado. O Estado dava as terras para quem queria, mas poucas pessoas compraram terra de fato", conta.
"Muitos grupos de poder fizeram esse processo da grilagem, que é tomar a terra do Estado à força, com jagunços, muitas vezes expulsando indígenas, quilombolas e camponeses", explica.
O diretor aponta que o termo 'grilagem' vem do inseto grilo. "Há o processo de fazer uma escritura falsa, colocar na gaveta com grilos e depois de um tempo, as fezes do grilo dão o aspecto de envelhecido ao documento. Assim eles alegavam que o documento era antigo e conseguiam a chancela do cartório local para dizer que aquela pessoa era dona da terra", revela.
Tenório não vendia terras e caçava Jacu, ave originária das Américas. Os 'jacus' que o personagem procurava eram camponeses para vender terras fraudulentas e fazer o processo de grilagem. Por isso, Maria Marruá e Gil se surpreenderam com a descoberta de que a escritura deles não valia de nada.
"Podemos dizer que a grilagem sustenta o agronegócio brasileiro. Além do agro, há a mineração, onde garimpeiros invadem terras públicas para minerar a terra e isso é feito não só com terras públicas não compradas, mas com terras públicas que já direcionaram para assentamentos, indígenas, quilombolas. Mesmo essas terras com uso-fruto, a prática continua", conta David.
Grilagem é um dos motivadores de conflitos por terra no Brasil
O personagem de Murilo Benício representa diversos grileiros que enriquecem com a prática. Como em "Pantanal", em que há pelo menos três mortes ocasionadas pelas ações do personagem — Maria Marruá, Gil e o pai de Muda — David fala que a grilagem causa lutas armadas no Brasil.
"Causa, porque provém de grupos paramilitares que tomam a área expulsando quem mora lá, é como uma 'corrida ao ouro', ainda mais se há riquezas minerais na terra", explica.
"Quando a terra é pública, é passível de ser desapropriada para reforma agrária, mas quando o MST reivindica as terras, há uma resistência por parte do agronegócio a essa proposta por saberem que podem grilar a terra e, com a influência, conseguem a regularização daquela área. Quando questionamos isso, tem conflito, ameaças, ações violentas", comenta.
Segundo David, diferente da opinião pública, o MST não invade terras, como os grileiros fazem. "A diferença entre os grileiros e o MST é que ocupamos, não invadimos. Ocupamos para dar uma função social à terra, que está prevista na Constituição de 1988. A invasão é quando você pega para interesse próprio, financeiro e é isso que os grileiros fazem pensando nos próprios interesses", pontua.
Ele conta que o movimento luta contra a grilagem sem ações violentas. "Nossa ação contra grileiros é denunciando, seja ocupando, seja fazendo denúncias no Ministério Público, no parlamento. Nossa ação é com denúncias na mídia também", explica.
Grilagem é crime
Apesar da prática comum e antiga, a grilagem é crime. Tenório seria preso caso estivesse seguindo no modelo de negócios e a prática fosse descoberta pela Justiça. Segundo o artigo 50 da lei nº 6.766, chamada 'Lei Lehmann', a grilagem é crime contra a administração pública.
O vilão de "Pantanal" poderia ser preso por até quatro anos, com multa de cinco a 50 vezes o salário mínimo vigente no país. "A pessoa pode perder terras e ser obrigada a ressarcir o dano que fez à terra pública. O problema é que é difícil isso ocorrer, tem terras públicas griladas por empresas, que mesmo reconhecidas como grilagem, o processo é lento e a favor de quem tem dinheiro", lamenta David.