Em "Pantanal", Juliana Paes ganhou o carinho do público pela atuação como Maria Marruá. A personagem e o marido, Gil, interpretado por Enrique Diaz, representam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, na obra de Benedito Ruy Barbosa, adaptada por Bruno Luperi para ser exibida na Globo.
O casal, que perdeu três filhos na luta por terra, foge para o Pantanal mato-grossense e lá têm mais uma filha: Juma. Na história, os dois vagam pelo Brasil procurando um lugar para morar e trabalhar e se instalam na região pantaneira.
Será que a Globo faz um bom trabalho em representar os trabalhadores rurais sem-terra? O iG Gente conversou com Marina dos Santos, dirigente nacional do MST, e com o coordenador estadual do movimento em São Paulo, David Zamory, para entender melhor a representação de Juliana Paes e Enrique Diaz na obra.
Marina elogia a atuação de Juliana Paes e até faz um convite para a atriz, que se envolveu em polêmicas políticas recentemente. "As mulheres sem-terra ficariam honradas de recebê-la em um assentamento nosso, para ela ver na prática o que as mulheres sem-terra passam e que ela está retratando de forma brilhante", comenta e completa. "Deixo um convite, não só para Juliana, como também para a equipe toda, para conhecer e ver de perto o tanto do trabalho, da resistência e o tanto que nosso povo resiste e vive na dignidade, mesmo com muita simplicidade".
A dirigente nacional reforça Juliana Paes faz um bom trabalho em representar mulheres do MST e destaca uma cena exibida pela Globo. "Penso que ela está sendo muito maravilhosa no papel que está desenvolvendo. A cena do parto, ela está retratando mesmo a luta, a força das mulheres sem-terra para existir e defender a existência da família, no enfrentamento com todas as dificuldades", afirma.
Ela também afirma que as mulheres do MST "viram onças", como Maria. "São onças na luta para conquistar os direitos e para defender a própria subsistência dos filhos", comenta.
O que é o MST?
O Movimento Sem-Terra nasce em 1984, seis anos antes da primeira versão de "Pantanal" estrear. David Zamory, coordenador estadual do movimento em São Paulo, explica que o movimento nasce após a ditadura militar e pela organização dos boias-frias, que trabalham sem vínculos empregatícios em fazendas.
"Essas pessoas se organizaram para constituir esse movimento inspirado nas ligas camponesas e os sindicatos rurais, que existiam antes da ditadura militar. Além disso, houve a inspiração da reforma agrária. A ideia era organizar os trabalhadores rurais para lutar por terra, a reforma agrária para reverter o processo de concentração fundiária e transformação social", explica David.
Marina aponta que o MST faz a ocupação de terras improdutivas com base na Constituição Federal de 1988. "A ocupação, o critério principal que o MST usa para decidir sobre a área ocupada é a constitucionalidade a partir da função social da terra. Você pega nos artigos 184 a 186, a Constituição Federal diz que a terra tem uma função social, produzir, respeitar o meio ambiente e as leis trabalhistas", afirma.
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A dirigente comenta como é o processo de ocupação da terra. "Acampamentos são os primeiros momentos após a ocupação da terra, onde as famílias estão no processo de luta e negociação com o estado. O assentamento é após a conquista da terra, do território onde as famílias constroem a sua vida", indica.
Em "Pantanal", Gil e Maria representam o movimento
No começo da obra, o casal enfrenta um fazendeiro que toma posse das terras que eles compraram. Apesar dos documentos, a Justiça dá ganho de causa para o latifundiário. Gil e outros boias-frias tentam enfrentar o poder dele, mas os funcionários do fazendeiro matam o filho do casal, fazendo com que os dois saiam da terra, sem antes Gil matar o fazendeiro.
Marina analisa que a situação de Gil e Maria Marruá é recorrente na luta dos sem-terra. A posse do latifúndio, segundo a dirigente, ocorre exatamente como retratado na novela. "Se dá com a força, como mostrado na novela, ou por outros meios. Meus pais perderam a terra, eu virei sem-terra, fui trabalhar de boia-fria na infância por isso, perdemos a terra para um programa do banco. Meu pai entregou a terra para pagar um empréstimo", conta.
Antes da fuga de Gil e Maria, o casal recebe a oferta de trabalhar na terra em troca da moradia. Para Marina e David, essa é uma forma de trabalho análogo à escravidão. "O que geralmente acontece é a dependência do dono da fazenda, gerando uma dívida paga em forma de trabalho. Muitas vezes, ela é impedida de deixar o local, ainda que queira sair. A escravidão por dívida existe desde a antiguidade", afirma David.
"Pantanal" é uma aula de realidade, mesmo com fantasia
Para os líderes do MST, a novela traz de forma clara a realidade do movimento e das pessoas sem-terra no Brasil. Diferente do que é difundido sobre o MST, Marina e David afirmam que o movimento não pretende invadir fazendas produtivas. A dirigente nacional comenta que a novela da Globo faz uma boa representação da luta pela reforma agrária.
"Nesse momento, 'Pantanal' mostra para a sociedade brasileira aquilo que milhões de mulheres e homens que lutam para produzir alimentos, no dia a dia, encontram nas cabeças armas de jagunços, ameaças de morte e dificuldades que a própria novela está mostrando", comenta.
David aponta que a novela é favorável à luta do MST, principalmente na região onde há maior ação do movimento. "Mostrar como o agronegócio é destrutivo. A começar pela questão do Pantanal, um dos biomas mais ameaçados do Brasil, justamente pela ação predatória do agronegócio. Foi um acerto trazer de volta a novela agora em que o bioma foi tão ameaçado. Outro fator é mostrar a forma violenta como o agronegócio tenta expulsar famílias agricultoras", pontua.
Sobre a região retratada, Marina também fala de outra luta: a dos indígenas na região pantaneira. "O interessante é que a novela passa justamente no Mato Grosso do Sul, onde há a principal luta e resistência dos povos indígenas. É importante observar o quanto os grandes proprietários disputam, são violentos", afirma.
Marina também faz um pedido para a produção global: ela espera que a representação do movimento siga desta maneira. "Que os mocinhos não se tornem os vilões. Que a nova geração brasileira tome conhecimento sobre o MST, sobre o porquê da luta do MST, dos objetivos, por que nós queremos a terra. Que o povo brasileiro, a partir dessa ficção, sinta a forma de pensar e como vivem milhões de homens e mulheres no campo", finaliza.