O assédio sexual de José Mayer sofrido pela figurinista da Rede Globo , Susllem Tonani, de 28 anos, e o caso de violência doméstica envolvendo Emilly Araújo , de 20 anos, e Marcos Harter, 18 anos mais velho, no “Big Brother Brasil 17” , vieram à tona paralelamente, movimentando as redes sociais e abrindo espaço para um amplo debate sobre o machismo como cultura e a consequente condescendência em relação às agressões que mulheres sofrem cotidianamente.
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No caso de Emilly e Marcos, a delegada titular da Deam (Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher), de Jacarepaguá, Viviane Costa, tomou conhecimento da violência doméstica através das imagens do programa e iniciou as investigações, que resultou na expulsão de Harter do reality e um indiciamento na última quarta-feira (19). Segundo a delegada, a agressão física sofrida pela campeã do "BBB" não necessitava de denúncia.
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Já no caso do ator global, a vítima, uma funcionária da emissora carioca, escreveu um relato contando tudo o que sofreu ao longo de oito meses, mas conforme a reportagem do iG apurou com o 32º DP do Rio de Janeiro, Susllem não retornou contatos feitos pelo delegado Rodolfo Waldeck. A ideia era chamá-la para depor e seu silêncio é percebido, pelo menos momentaneamente, como uma indicação de que ela não deseja denunciar o assédio. Segundo o delegado, o caso não pode ser levado adiante sem a denúncia.
Mas afinal, qual a diferença entre os dois casos? Por que foi iniciada uma investigação no caso envolvendo Emilly, a despeito dela não ter procurado a polícia e no caso de Susllem há a expectativa pelo pronunciamento da figurinista? O iG entrevistou três advogados com largo trânsito na área criminalista para responder por quê no caso de José Mayer a vítima precisa fazer uma representação para as investigações prosseguirem e no caso do "BBB" não.
Segundo o advogado Jonas Marzagão, primeiro é preciso entender que lesão corporal é uma coisa, ameaça é outra, mas em nenhum dos casos o estado poderia intervir sem a representação da vítima. "Para alguns delitos pessoais, o direito penal não deve se intrometer. Se uma pessoa te xinga e você se sente ofendida, você denuncia e o mesmo caso acontece com a lesão corporal, cabe à vítima representar", explicou ele.
A opinião, porém, é diferente da advogada Iara Ferfoglia, sócia do escritório FWRP Advogados, que diz que os dois fatos estão em um contexto parecido, mas que são crimes diferentes. "O caso do 'BBB' está inserido em violência doméstica porque eles tinham uma relação afetiva, era um casal, então é aplicado a Lei Maria da Penha, que prevê condições especiais neste contexto".
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Mas o que isso significa? Segundo Iara, a Lei Maria da Penha prevê um tratamento diferente dentro da violência doméstica, como no caso de Marcos e Emilly. "No caso da lesão corporal leve não é necessário que a vítima represente o agressor, então, provavelmente a autoridade usou desse argumento para abrir investigações, mas caso não fosse uma relação de casal, afetiva, dependeria da vítima".
Essa análise é endossada por Ana Paula Braga, que atua justamente em um escritório orientado a defender mulheres carentes da proteção ofertada pela Lei Maria da Penha. Ela concorda com Iara e diz que os dois casos tiveram tratamentos diferentes por tratar-se de circunstâncias divergentes. Segundo a advogada do Advocacia Para Mulheres Ruzzi & Braga, a Lei Maria da Penha é aplicada quando a violência acontece em uma relação familiar ou intima de afeto, em que não precisa necessariamente ser um namorado, mas que fique caracterizado que há uma relação naquele momento.
"Como eles (Marcos e Emilly) estavam em um relacionamento amoroso, é a Maria da Penha que se enquadra nesse contexto. É uma agressão de violência física contra a mulher e o Estado tem obrigação de abrir uma investigação", observa Braga.
Ainda segundo ela, no caso de José Mayer, ou seja, do assédio sexual, o crime não está inserido na Lei Maria da Penha e, sendo assim, é necessário a representação da vítima.
Segundo Jonas, que em nenhum momento da entrevista menciona a Lei Maria da Penha , as investigações só podem continuar depois de um laudo de um perito para constatar a lesão. Isso porque uma pessoa pode cair, sofrer um pequeno acidente ou até se auto mutilar.
Comparando o caso de José Mayer com o ocorrido no "BBB", o advogado é convicto ao dizer que, apesar de tratarem-se de crimes diferentes, a representação da vítima é necessária em ambos os casos. Há um artigo nas disposições finais da Lei Maria da Penha que pode respaldar o racíocinio do advogado. "As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados" .
Lei Maria da Penha
No entanto, o artigo 10 do terceiro capítulo da Lei Maria da Penha observa que no caso de prática de violência doméstica e familiar contra uma mulher, a autoridade policial está autorizada a se movimentar independentemente de provocação:
"Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis".
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Segundo Ana Paula Braga, no caso de agressão física qualquer pessoa pode denunciar uma violência doméstica e, além disso, ela não pode retirar a queixa. "Isso vem de uma decisão do STF", expõe Braga. "Então tem advogados que vão advogar pelo agressor e defenderem que não é legal, mas há sim a autorização do STF".
A advogada acrescenta, ainda, que para outras agressões é necessário fazer a denúncia e retoma a comparação com o caso de SusllemTonani. "Não está abarcado pela Lei Maria da Penha e o crime de assédio sexual precisa necessariamente da denuncia da vítima".
Agressão Física?
Já ficou claro que, quando aplicada, a Lei Maria da Penha dá autonomia à autoridade policial para atuar mesmo sem denúncia da vítima em casos de violência doméstica. Mas não para qualquer crime. Segundo Iara, enquanto a agressão física independe da representação da vítima dentro da Lei Maria da Penha, a ameaça depende em qualquer situação. Braga acrescenta que casos de violência psicológica precisam ser denunciados pela vítima e de apresentação de provas.
No caso de Marcos Harter é flagrante, nas imagens do último fim de semana dele na casa, que há uma relação de abuso piscológico, mas talvez não tenha ficado claro que ele tenha agredido fisicamente Emilly. Daí a demora da Globo em tomar qualquer providência, a despeito dos ruídos das redes sociais. Iara acredita que quando a jovem falou ao namorado "você está me machucando" pode ter dado a entender que ela estaria sofrendo lesão corporal leve.
A delegada agiu corretamente?
Esse elemento pode ter feito com que a delegada Viviane Costa tomasse a iniciativa de ir ao "BBB" ouvir Emilly e esse quadro legitimaria a conduta da delegada, mas pode ser futuramente discutido em um eventual processo. É preciso caracterizar a agressão física para que não haja ilegalidade nessa conduta.
De todo modo, o caso serviu para mostrar que um caso de violência doméstica independe de denúncia da vítima para ser abordado pelo Estado. Segundo Braga, a decisão do STF veio porque muitas mulheres denunciavam e depois queriam retirar a queixa. "Diversos motivos levaram essas mulheres a retirarem a queixa, então para acabar com isso foram abertos vários processos reclamando que a mulher não poderia tirar a queixa, então o STF interveio nisso", finaliza.