Evan Peters interpreta Jeffrey Dahmer em “Dahmer: Um Canibal Americano”, da Netflix
Reprodução/Netflix - 20.10.2022
Evan Peters interpreta Jeffrey Dahmer em “Dahmer: Um Canibal Americano”, da Netflix

“Dahmer: Um Canibal Americano” estreou na Netflix  com uma grande repercussão, alcançando o topo do ranking dos mais assistidos na plataforma e dominando as redes sociais com comentários do público. Em paralelo aos elogios à performance de Evan Peters como Jeffrey Dahmer , a série também promoveu algumas ações polêmicas, como espectadores se "fantasiando" como o serial killer em festas de Halloween.

Um dos maiores portais de vendas online do mundo, o “eBay”, proibiu a comercialização de adereços inspirados nas roupas do assassino, segundo o “TMZ”. Já a ação das pessoas que se fantasiaram como Dahmer também reuniu críticas em mídias como o Twitter. Em entrevista ao iG Gente, o psicólogo Luiz Mafle analisa que a ampla ressonância do seriado é exemplo de algo recorrente que ocorre no gênero “true crime”: quando atrocidades se transformam em um espetáculo.

O professor e doutor em psicologia julga que “talvez já não exista um limite” das produções em abordar casos de crimes reais em obras de ficção, mas alerta que “é preciso ter um certo tipo de educação” e um “olhar mais cuidadoso” do público ao consumir tais conteúdos. “O problema é a espetacularização da coisa. Mas é a espetacularização que vende, então, o problema é lidar com isso apenas com uma questão de mercado”, afirma.

Luiz reconhece que é preciso abordar pautas sérias como os casos de Jeffrey Dahmer, para “não negar” os graves crimes que já marcaram a história e seguem acontecendo. “Não fazer uma produção como essa, falar que é proibido abordar esse assunto, é manter escondidas cenas que precisam ser noticiadas e ter acesso. E as notícias não têm o mesmo acesso que a cinematografia, então, acho que essa produção é até importante em certa medida”, pondera.

“Agora o cuidado que precisamos ter, profissionais da psicologia e de qualquer área, de não usar isso como um espetáculo. Que isso não é uma coisa legal, divertida [...] Sei que existem psicólogos e psiquiatras que tem isso como mercado, falam da psicopatologia e psicopatia no sentido de assassinato, das pessoas que estão ali para te fazer mal. Isso vende bastante”, adverte.

O psicólogo pontua que um dos riscos de abordar o “true crime” como um espetáculo é a “generalização de que todo mundo pode ser um psicopata”. Ele compartilha como esse movimento pode apresentar uma “ausência de esperança” para pessoas que buscam tratamentos para lidar com transtornos mentais. “É como se mostrasse que não tem tratamento eficaz contra essas situações”, reflete.

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Luiz avalia que a abordagem de “Dahmer: Um Canibal Americano” também reforça um estereótipo “muito criminalizador” da psicologia, já que a série expõe uma visão judicial sobre o caso. “Dahmer nunca passou por um tipo [de tratamento], ele passa por psiquiatras forenses, pessoas que estão ali para determinar qual é o transtorno que ele tem para ser preso [...] Vira questão única e exclusivamente judicial, de [entender] qual que é a patologia que a pessoa tem e qual que é o tipo de punição que deve receber”, diz.

O psicólogo aponta que o serial killer em questão teve uma série de diagnósticos, como de transtorno de borderline, transtorno de personalidade esquizotípica e mais. Porém, o tratamento psicológico não é tão bem explorado e destaca um mito de que “todas as pessoas que têm transtorno mental são violentas”.

“Essa questão é um perigo para nossa sociedade se pensarmos dessa forma. Senão, qualquer pessoa que passa por algum adoecimento, ela é ou um assassino, ou um suicida em potencial. A gente acaba saindo desse princípio que não é uma verdade. [...] Algumas pessoas deixam de procurar serviços de saúde mental porque falam ‘não sou doido, não sou igual a esse cara, não tenho o mesmo problema que ele’. Isso realmente é um desserviço à saúde mental dos outros”, expressa.

O doutor em psicologia ainda analisa que o “true crime” traz um “fascínio” do público que pode levar, por exemplo, a querer se fantasiar como Dahmer para “mostrar um desprezo pelas normas sociais”. Contudo, ele enfatiza que esse fascínio é ainda mais perigoso quando não há um limite nas indicações classificativas sobre a faixa etária e o controle de quem são os espectadores. “Essa restrição talvez precise ser mais bem elaborada”, sugere.

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“Muitos acham que aquela idade ‘não indicada’ é uma besteira, pensam que não tem um estudo por trás disso. Então você olha o menino de quatorze anos vendo cenas como essa [série de Dahmer] [...] O cérebro dele está em processo de amadurecimento. Recebendo essas informações, como ele vai se desenvolver? Não significa que a pessoa vai ser um psicopata, mas já se sabe que isso leva a uma dessensibilização das relações sociais, em que ficam menos sensíveis à demanda dos outros”, admite.

+ O "AUÊ" é o programa de entretenimento do iG Gente. Com apresentação de Kadu Brandão e comentários da equipe de redação, o programa vai ao ar toda sexta-feira, às 12h, no YouTube, com retransmissão nas redes sociais do portal.


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