Conhecido como autor de grandes romances policiais, sendo “Sobre Meninos e Lobos” (2001) um dos maiores sucessos adaptados para o cinema, Dennis Lehane chega com um novo projeto na Apple TV+ nesta sexta-feira (8). Em “Black Bird”, o escritor ocupa os cargos de roteirista, showrunner e produtor executivo da minissérie, que explora a história do serial killer Larry Hall. Em entrevista ao iG Gente, o profissional relata os desafios em explorar crimes reais na produção.
“Quando concordei em assumir esse projeto, eu disse que, se fizesse a série, não haveria exploração dos crimes em si. Nós nunca os veríamos, não haveria a cena da faca subindo e descendo, nada disso”, declara Dennis, que ainda expõe o desejo de fazer algo “bem fora da caixa” ao dedicar um episódio ao ponto de vista de uma das vítimas do serial killer.
A série é inspirada em “In with the Devil”, livro em que James Keene aborda, ao lado de Hillel Levin, a trajetória como infiltrado do FBI na prisão visando conseguir uma confissão de Larry Hall. O criminoso é suspeito de ser o responsável pelo desaparecimento de ao menos quarenta mulheres nas décadas de 1980 e 1990, que ocorreram em estados do Centro-Oeste dos Estados Unidos. Em um dos capítulos mais tocantes de “Black Bird”, é possível conhecer a trajetória de uma das vítimas.
“Queria ter um episódio em que uma das vítimas, que já estava morta há muito tempo, recuperasse a própria história. Queria dizer que você pode morrer, mas não pode deixar de viver. Gostaria de mostrar que a vida dessa garota era mais rica do que qualquer coisa já vivida pelo homem que a matou”, diz.
Sobre a responsabilidade de abordar uma história considerando que existem pessoas reais afetadas pelo crime, Lehane analisa como a escolha sobre o episódio foi “o mais próximo que pudemos chegar de não causar dor extra às famílias”. "Escrevi cartas [às famílias das vítimas] e disse-lhes que fui o mais escrupuloso que pude em honrar as memórias de suas filhas, não transformando em algo sensacionalista ou lascivo, o que acho repreensível, para ser honesto”, pondera.
“Isso é o melhor que pudemos fazer. Porque você chega em única pergunta que resta, de que se alguém tem o direito de contar a verdadeira história de alguém que morreu. Você pode contar uma história do 11 de setembro? Você poderia contar uma história de guerra? Todos nós precisamos dessas histórias e entendemos que sim, se fosse meu filho, eu nunca conseguiria assistir, nem saber de notícias sobre isso. Eu entendo isso, mas tentei ser o mais moral possível a partir desse ponto”, complementa.
Roteiro impactante e real
Sepideh Moafi, que interpreta a agente do FBI Lauren McCauley, relata como o olhar sensível de Dennis para a história foi algo que a impactou desde a primeira vez que leu o roteiro. “Você lê muitos roteiros como atriz, alguns bons, outros ruins. Mas não é tão comum ler um roteiro que te deixa completamente impressionada e que você não consegue largar. Literalmente, não conseguia parar de ler os três primeiros episódios. Então eu pensei que, se eu não conseguir parar de ler, as pessoas não vão conseguir parar de assistir”, analisa.
A atriz também expressa como Lehane lidou bem com o aspecto da consciência em abordar uma história de crime real: “É um enorme senso de responsabilidade se comprometer com um enredo como esse, porque é pesado, sombrio e perturbador. O assunto desperta gatilhos para muitas pessoas que experimentaram algo remotamente parecido com isso. Portanto, era importante para Dennis contar a história de uma maneira respeitosa, que honrasse a realidade da situação, os horrores dessa experiência familiar e a psique por trás desse tipo de pessoa que comete esses atos. Mas, ao mesmo tempo, ele também não queria higienizar o assunto. É uma linha tênue e ele equilibrou tudo perfeitamente”.
Moafi compartilha que teve muita liberdade na pesquisa para viver a personagem, já que conversou com agentes aposentados do FBI. A intérprete de Lauren também aponta a satisfação por mostrar como era o contexto de mulheres que ocupavam tal cargo nos anos 90. “As mulheres só começaram a poder se inscrever no FBI há 51 anos”, diz.
“Há uma cena em que os detetives estão criando estratégias e eles dizem que não querem Lauren na sala, porque vai distrair Larry [Hall, o serial killer]. Essa é a realidade da situação. Como mulheres, há tantas vezes, especialmente na área da lei e no FBI, em que somos excluídas da conversa e colocadas de lado. Há muita discriminação, bullying e adversidades para as mulheres no FBI. No entanto, isso não impede nenhuma das mulheres com quem conversei. E isso definitivamente não impede que Lauren supere todos os seus colegas homens. Ela é absolutamente brilhante, motivada, intuitiva e se entrega totalmente ao trabalho e ao sentimento de responsabilidade de trazer o máximo de justiça possível a essas famílias e meninas”, reflete.
Descobertas e momentos tocantes
No caso de Greg Kinnear, que vive o detetive Brian Miller, a maior surpresa envolvendo os crimes reais da narrativa é de que o serial killer real é de um território próximo da cidade natal do ator. “A coisa mais surpreendente para mim foi saber que Larry Hall, o serial killer, é de uma cidade a poucos quilômetros da minha cidade natal. Isso é meio estranho”, avalia.
+ Entre no canal do iG Gente no Telegram e fique por dentro de todas as notícias sobre celebridades, reality shows e muito mais!
Brian Miller não foi um personagem criado pelo roteirista para Greg, já que ele é um detetive real do estado de Indiana, EUA, que participou da investigação sobre o serial killer. Kinnear conta como se identificou com a história do profissional: “Ele é um ex-veterano implacável, que detonou bombas nas forças armadas no Vietnã [...], muito orientado pelas tarefas, específico nas ações e no que está tentando fazer. Ele descobre uma das vítimas em uma fazenda no início da série, e ele tem os próprios filhos. Assim como eu, ele foi profundamente afetado por isso e determinado a encontrar justiça e verdade”.
Como o ator, o roteirista Dennis Lehane também tem os próprios filhos e conta que isso o afetou durante a escrita do episódio que aborda a história de uma das garotas vítimas de Larry Hall: “Tenho duas filhas e era impossível escrever um episódio inteiro da perspectiva de uma garota morta, não muito mais velha que minha filha mais velha. É o único roteiro que eu já chorei escrevendo e é a única vez que eu já tive que pedir desculpas às minhas filhas por como eu estava. Disse que estava tão tenso, porque toda vez que eu olhava para elas duas, eu via uma pessoa morta. Foi realmente difícil, duas semanas de inferno”.
“Há um momento horrível no episódio, não quero escrever um episódio como esse novamente. O capítulo contém um momento confessional de Larry Hall retirado do livro. Quando eu ouvi pela primeira vez, eu estava dirigindo, eu estava ouvindo o livro em fita e quando eu ouvi puxei para o lado da estrada e meu corpo tremeu inteiro. E quando fizemos a leitura com todos os atores no Zoom, e quando Paul [Paul Walter Hauser, intérprete do serial killer] leu aquela cena, ele começou a chorar. Foi difícil escrever, filmar e editar. Isso foi facilmente o mais perto que eu quero chegar de olhar para a face do mal”, concluiu.
+ Siga também o perfil geral do Portal iG no Telegram !