Levou anos para o ator Louis Garrel se descolar da imagem de símbolo sexual torturado do cinema francês, embalada por filmes como “Os Sonhadores” (2003) e “Canções de Amor” (2007). A tentativa, iniciada com o drama “Dois Amigos” (2015), que o lançou como diretor, e no qual oferecia sua interpretação sobre amizade e amor juvenil, se consolida agora com “Um Homem Fiel”, seu segundo longa-metragem como realizador, em cartaz desde quinta-feira (4) nas salas brasileiras.

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Louis Garrel
Reprodução/Instagram/@louisgarrel_official
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Escrito em parceria com o veteraníssimo roteirista Jean-Claude Carrière, colaborador de cineastas como Luis Buñuel (“O Discreto Charme da Burguesia”), o filme atualiza as configurações do ator de 35 anos para as relações afetivas de sua geração. A trama de Louis Garrel descreve o triângulo amoroso formado por Abel (o próprio Garrel), Marianne (Laetitia Casta, mulher do diretor na vida real), a viúva de seu melhor amigo, e Eve (Lily-Rose Depp), sua irmã adolescente.

Admirador confesso dos filmes de François Truffaut, de quem tomou emprestada a narração em off que externiza os pensamentos dos personagens, e de  Woody Allen , com quem filmará este mês (o longa ainda não tem título), Garrel diz que o filme é um “autorretrato” de sua relação com o sexo oposto, aqui tratada com seu senso de humor desconcertante.

“Brincamos com as convenções de um gênero que atravessa gerações atraindo público”, declarou.

Louis Garrel
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O que mudou em você, como diretor, desde “Dois Amigos”?

Cresci e amadureci, e meu interesse como realizador, também. Era um filme energético, elétrico, sobre a amizade de dois jovens que vivem intensamente suas emoções. Era uma forma de expressar os sentimentos febris de minha adolescência. Desta vez, queria contar uma história de amor mais tranquila, serena e... estranha, sobre personagens que escondem seus sentimentos de si mesmos e dos outros.

Daí eu ter chamado Jean-Claude (Carrière) para trabalhar no roteiro comigo. ‘ Um Homem Fiel ’ é um jogo de xadrez amoroso, no qual eu contribuo com um senso de humor mais sombrio, e ele, com a longa experiência em diversos gêneros.

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Carrière contribui com a estranheza ou com o romantismo?

Ele odeia filmes românticos e psicologismos! Mas é um sujeito muito engraçado. Começou fazendo as comédias do Jacques Tati e é fascinado pela figura do palhaço. Abel, meu personagem, foi construído como um homem que não reage diante das coisas ruins que lhe acontecem, ele as abraça, sem gritar ou chorar. É um fatalista, como os palhaços costumam ser, e não um rebelde. Começamos com um clichê — um triângulo amoroso entre um homem e duas mulheres — e tentamos quebrar as expectativas do espectador, brincando com ele o tempo todo.

De que forma isso fica mais evidente?

No modo como Abel parece tirar prazer no fato de ser guiado por mulheres. A ideia foi criar um mundo em que as mulheres são mostradas como uma espécie de rainha, que determina o que o homem deve fazer ou qual caminho tomar.

Louis Garrel
Reprodução/Instagram/@louisgarrel_official
Louis Garrel


Vê algum impacto dos movimentos reivindicatórios de hoje, como o #MeToo?

O filme pode até funcionar dentro das sensibilidades de nossos dias, mas também tem muito a ver com o ambiente em que fui criado: tenho uma mãe forte (a atriz Brigitte Sy), e vivo cercado de mulheres igualmente determinadas.

Talvez o filme seja um autorretrato porque, normalmente, diante de grandes dilemas, geralmente recorro à opinião delas. Porque as mulheres são as pessoas mais inteligentes e poderosas que conheço. Não tenho problema algum quando uma mulher diz o que tenho que fazer.

Os personagens lidam de forma muito civilizada com disputas amorosas e traições. Herança ou idealização da cultura francesa? 

Acho que está mais próximo da tradição de textos como “Ligações Perigosas”, do Choderlos de Laclos (que ganhou uma premiada versão para o cinema, dirigida por Stephen Frears em 1988) , em que a agressividade dos personagens é escondida atrás de um verniz de civilidade. Acontece que, na vida real, também temos que agir dentro de uma ideia do que somos, estamos o tempo inteiro tentando conter nossas reações mais apaixonadas.

Cena de
Divulgação/Supo Mungam
Cena de "Um Homem Fiel"


O jogo do filme é declarar guerra com um sorrisinho no rosto, como faz Marianne ao enviar Abel para os braços de Eve e, às vezes, isso pode parecer engraçado. Não queríamos fazer mais uma versão de filmes sobre mulheres vingativas.

É como sua geração vê as relações afetivas hoje, na era dos aplicativos de relacionamento e encontros amorosos?

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Não quero correr o risco de generalizações. Minha irmã, que tem 19 anos, por exemplo, pertence a uma geração que tem muito mais liberdade do que a minha. Para eles, definições de sexualidade, como lésbicas, gays e heterossexuais, são coisas velhas e ultrapassadas, uma garota pode ficar com um rapaz e em seguida com outra garota que está tudo bem.

Eles não acham necessário definir-se sexualmente. E acho que movimentos como o #MeToo vêm misturados nisso tudo: não se trata de uma revolução sexual, mas de uma revolução de identidades.

A França está avançando no campo das relações amorosas?

Olha, a monogamia ainda é a normalidade na França, por exemplo. Um dia, perguntei a um conhecido africano como estava a namorada e, depois de muito enrolar, respondeu que vivia com duas mulheres, que trabalhavam em atividades completamente diferentes, e por isso não as via com frequência.

Contou que estava cansado porque tinha que respeitar o tempo do relacionamento com uma e com a outra, separadamente, a das duas namoradas entre si, e a dos três juntos! E eu olhando para ele com a cara de um Cristóvão Colombo conhecendo um novo continente amoroso.

Cena de
Divulgação/Imdb
Cena de "Um Homem Fiel"


Sua admiração por Woody Allen, com quem você filmará em breve, é notória. Reconhece alguma influência dele em seus filmes?

Sim, acho no modo como ele fala de si mesmo nas histórias que cria, e no jeito em que transita entre os gêneros cinematográficos, que vai de ‘Bananas’ a ‘Interiores'. Como ator, me fascina a facilidade como ele faz cenas dramáticas e cômicas dentro de um mesmo filme — ele é um fã de Ingmar Bergman e de Jerry Lewis, e conseguiu combinar esses dois amores como cineasta e ator.

Sua admiração por ele diminuiu após as novas polêmicas com Mia Farrow e uma das filhas dela?

De forma alguma. Não o conheço pessoalmente. Eu o reconheço como artista, e não como o homem, e é com esse artista que vou trabalhar.

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