Dado o quente clima político nacional, muita gente vai revirar os olhos quando assistir “Aruanas”. A nova série da Globo , que já está disponível no Globoplay, tem como foco ativistas do meio-ambiente, e durante o percurso faz críticas a políticos, cutuca a corrupção e ainda denuncia a morte de pessoas que lutam por minorias.
Nesse aspecto “ Aruanas ” sai da temática ambiental e tem como referência diversos nomes brasileiros que deram a vida pelo que acreditam. Uma menção a Marielle Franco é feita durante uma cena, ao lado de outros ativistas. A decisão não é aleatória, e essas pessoas serviram de inspiração durante as filmagens, que aconteceram principalmente na Amazônia.
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De acordo com um dos criadores e diretores, Marcus Nisti, no começo de cada dia a equipe recebia uma imagem com informações sobre diversos ativistas que se dedicaram a diversas lutas, como Dorothy Stang e Nazildo dos Santos Brito. Em uma cena, as aruanas estão de mãos dadas em um evento chique e, prestes a serem presas, declamam muitos nomes, como que para mantê-los vivos.
A imagem, porém, foi apresentada sem contexto, portanto não há como saber se a faz sentido, ou é uma ferramenta para atrair comentários. Fato é que, mesmo com a melhor das intenções, o tema não foi escolhido só pela denúncia. Quando Nisti e Estela Renner, que assina o roteiro com ele, começaram a desenvolver a produção, ela não seria sobre garimpo, desmatamento, chacina indígena e os temas tratados, mas sim sobre um acidente radioativo.
Eventualmente eles decidiram mudar o rumo da trama, quando a Globo já estava envolvida na produção. Nisti celebrou que a emissora deu carta branca para que eles fizessem as mudanças, mas isso mostra um interesse da produção em “surfar na onda”.
Seja como for, o resultado parece ser positivo, e pelo menos o episódio apresentado para a imprensa na última semana não deixa a desejar.
Com cara de novela
As produções brasileiras, principalmente as que o Globoplay tem apostado, ainda investem em cenas curtas, muitos cortes, muitos diálogos e reações, assim como são as novelas. Sendo assim, é mais fácil cair em clichês – e eles estão lá em “Aruanas”. Aparecem, por exemplo, em uma fala de Verônica ( Taís Araújo ), que tem um caso com o marido da amiga Natalie (Débora Falabella): “um triângulo se desfaz quando uma das pontas solta”.
Esse pequenos detalhes ainda incomodam e tiram certo brilho da produção, mas não chegam a estragar, principalmente as cenas feitas na Amazônia. Não é novidade que o período foi intenso e complicado – resultando na morte de uma pessoa. Por isso, todo o conceito ambiental parece tentar, de alguma forma, compensar essa tragédia.
Tragédia, por sinal, é o fio condutor das muitas histórias abordadas pela produção. Falar sobre garimpo sem dar um amplo panorama pareceria incompleto, portanto os criadores optaram por tratar de todos os temas relacionados: o lobby em Brasília, prisão de senadores, grandes empresários que compram seu caminho pela floresta, tribos indígenas assassinadas, venda ilegal de ouro e prostituição infanto-juvenil. Tudo isso em apenas um episódio.
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Tantos temas, sem falar dos dramas pessoas – casamentos, filhos, amantes – acabam resultando em narrativas superficiais e um tanto irreais. Em determinado momento, a jornalista Natalie visita uma tribo e descobre que quase todos foram mortos. Entre os poucos sobreviventes está Payall (Kay Sara), grávida e prestes a dar a luz. Embora eles consigam chegar a uma vila que tem assistência médica, é a jornalista quem faz o parto da índia.
Abandonar algumas narrativas para desenvolver com mais atenção as principais poderia ajudar a não cair em clichês ou no tom novelesco, mas também não chega a atrapalhar o desenvolvimento, graças ao imenso talento reunido.
Taís está bem como a advogada Verônica, embora nunca fique realmente crível que ela faz sentido em Brasília, mas Débora Falabella e Leandra Leal acertaram o tom. Leal vive a destemida e complicada Luiza, quem “dá a cara a tapa” pela ONG Aruanas. Natalie tem um programa de TV e Falabella incorporou bem os dois estados de espírito da personagem: um em frente às câmeras, e outro que mostra quem ela realmente é.
Camila Pitanga vive Olga, uma lobista sem escrúpulos e que basicamente anda movida pela sedução. A personagem é essencialmente uma vilã, mas o fato de ser lobista exige que ela tenha charme para convencer os outros, o que Pitanga captura com perfeição.
Thainá Duarte completa a lista de protagonistas como a jovem Clara, que surge na ONG ao fugir de um ex-namorado abusivo, e acaba sendo encantada pelo trabalho investigativo de Luiza e as amigas. Clara e Duarte são engolidas pelas outras personagens/atrizes, e fica difícil descobrir o quanto disso é intencional e quanto é consequência da experiência de cada uma.
Representatividade
Se as protagonistas foram escolhidas a dedo para garantir um elenco diverso, não se pode dizer o mesmo do resto do elenco. A maioria dos personagens secundários é branca, o que parece muito duvidoso considerando que a Floresta Amazônica concentra a maior quantidade de tribos indígenas do país.
Assim como aconteceu em “Segundo Sol”, a região contemplada na TV não necessariamente espelha a região de verdade, o que ainda parece não ser uma preocupação para a Globo.
Mundial
O que é uma preocupação, principalmente para o CEO do Globoplay João Mesquita, é fazer com que “Aruanas” seja um sucesso. Com um assunto de interesse mundial, eles têm planos ambiciosos para a produção, que estreia ao mesmo tempo em 150 países. A equipe tem promovido intensamente a produção com Taís Araújo em Nova York e Falabella em Londres.
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Ativistas e organizações relacionadas ao meio ambiente são o principal foco para “espalhar a palavra” das “ Aruanas ”, que nada mais é do que cuidar do planeta, pois nossos recursos são finitos. A mensagem é boa, mas a história tem que conseguir funcionar.