À espera da publicação, prevista para esta quarta-feira (24), da nova instrução normativa para a Lei de Incentivo à Cultura ( após as declarações feitas anteontem em vídeo por Osmar Terra, ministro da Cidadania, pasta à qual a cultura está vinculada), produtores e especialistas tentam entender os possíveis impactos no setor e quais áreas serão mais beneficiadas ou prejudicadas com as mudanças.
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Um dos principais pontos adiantados pelo ministro, o limite de R$ 1 milhão por projeto (sendo que cada proponente poderá submeter até dez propostas por ano) divide opiniões. Antes, o teto para captação era de até R$ 60 milhões por projeto pela Lei Rouanet , o que motivava críticas a respeito da concentração de recursos em poucas propostas.
Em 2018, de 5.831 projetos aprovados, só 155 captaram mais do que R$ 1 milhão.
Os valores mais altos geralmente são captados por musicais , grandes exposições e por museus e centros culturais . Há uma expectativa de que esses últimos possam captar mais de R$ 1 milhão, mas para os musicais e mostras de arte o teto pode representar o fim de uma era. É o que prevê Henilton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic) do antigo MinC e autor do livro “A Lei Rouanet muito além dos (f)atos”.
"Com essa lógica, nunca mais teremos exposições de grande porte que atraem multidões, em geral com entradas gratuitas. As produções de grandes musicais também serão inviabilizadas. Eles ocupam um papel importante na formação de novos profissionais", comenta Menezes. "No início da produção de musicais havia uma tendência a se utilizar textos e profissionais importados. Com a evolução, passamos a ver musicais genuinamente brasileiros."
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Já Luciana Pegorer, organizadora da conferência Music Trends Brasil, acredita que a mudança nos valores dará oportunidade para que mais proponentes tenham projetos contemplados.
"Como produtora, trabalhei muito com a Rouanet no início da carreira. Desisti de usá-la a partir do momento em que grandes artistas e eventos como o Cirque du Soleil começaram a fazer uso da lei pra garantir patrocínio. Isso viciou as empresas, que, como tinham opção de ter produtos de maior visibilidade, destinavam a verba toda para esses projetos", ressalta ela.
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Outro ponto polêmico é o possível aumento da cota de ingressos gratuitos, dos atuais 10% para algo entre 20% e 40% do total.
"A gratuidade de 40% dos ingressos complica a vida do produtor menor, ainda mais somados aos 15%, 20% de ingressos para o patrocinador, também previstos em lei. O que sobra é muito pouco para viabilizar as produções", observa Lu Araújo, produtora do festival Mimo. "O Estado deveria promover os espetáculos culturais como promove outras ações suas. Não é justo que o produtor tenha a responsabilidade de realizar, reduzir custos e promover."
"Problema está na origem"
Para a produtora Paula Lavigne, as mudanças na lei não foram ao ponto essencial, que é o fato de o destino da renúncia fiscal ser definido pelas próprias empresas que apoiam os projetos.
"A partir do momento em que a base da Rouanet é o retorno de marketing, ela está falando de mercado. O artista pequeno da Paraíba não vai ter dinheiro da Credicard, por exemplo. O problema está na origem", diz Paula. "Todos os investimentos vão acabar indo para um monte de projetinhos no Rio e em São Paulo, onde está o PIB."
Advogada e autora do livro “Cultura neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura”, Cristiane Garcia Olivieri crê que um ponto que merece mais atenção é o da prestação de contas.
"O foco deveria ser em resultados e não em comprovante fiscal. Se o produtor se comprometeu a entregar dez apresentações de óperas e distribuir mil ingressos gratuitos, isso precisa ser comprovado. As análises não priorizam isso, mas se nota fiscal do táxi era de R$ 10 ou R$ 10,58. Isso garantiria resultados melhores, mas é um tema que não vemos progredir. Muito pelo contrário."
Produtora do musical “Peter Pan”, que chega ao Rio em junho e captou R$ 9,6 milhões, de acordo com o portal da transparência da Lei Rouanet, Renata Borges espera que a classe construa um diálogo com o governo para tentar reverter algumas mudanças.
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"Esse governo já mostrou que tem a humildade de voltar atrás e de reconhecer os erros. Às vezes falta experiência na área, ninguém é obrigado a saber tudo de primeira. Tenho certeza que o governo vai ter um olhar carinhoso pelo setor."