Ex-Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic) do Ministério da Cultura e autor do livro "A Lei Rouanet muito além dos (f)atos", Henilton Menezes acredita que a nova lógica de fomento irá por em risco a existência de vários setores da cultura .

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Divulgação/Marcos Mesquita.
"O Fantasma da Ópera" é um dos maiores espetáculos teatrais da Broadway e montagens desse porte serão difíceis

Anunciadas na segunda-feira, 22, as mudanças na Lei Rouanet  , que garante uma grande parte da produção cultural do Brasil, prometem reduzir o  limite para captação de recursos de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por projeto. A medida, explica Menezes, afetará especialmente grandes exposições e musicais , que dependem de maiores orçamentos.

Em entrevista ao GLOBO por e-mail, ele comentou alguns dos pontos defendidos pelo governo (a instrução normativa só deve entrar na próxima quarta-feira, 23), como a descentralização regional e um foco maior em projetos educativos.

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» Excluir o incentivo para grandes projetos pode realmente aumentar o incentivo a projetos menores?

Henilton Menezes: Não acredito que tenha essa consequência. A lógica do incentivo fiscal é, principalmente, a visibilidade que o patrocinador obtém com o investimento. O Incentivo fiscal (um dos três mecanismos criados pela Lei 8.313) foi pensado com a lógica da “sedução” ao patrocinador.

Algo deve ser oferecido pelo patrocinado para o investidor, caso contrário o investimento não acontece. Para projetos de baixa visibilidade foi criado, pela Lei, o Fundo Nacional de Cultura (FNC), que deveria receber aportes suficientes para cumprir esse papel, incluindo a equalização da distribuição dos recursos.

O governo insiste em consertar a lei mudando apenas o incentivo fiscal, esquecendo o FNC e os FICARTs ( Fundo de Investimento Cultural e Artístico, criado para apoiar projetos de alta viabilidade econômica e reputacional ). O Incentivo não cumprirá, em hipótese nenhuma, o papel desses dois outros mecanismos. Há um desconhecimento generalizado do funcionamento da Lei.

» Quais setores serão mais afetados com as novas regras, como a d?

Henilton: Em especial as grandes exposições  de arte, realizadas por empresas que se profissionalizaram ao longo dos anos. Com essa lógica, nunca mais teremos exposições de grande porte que atraem multidões, em geral, com entradas gratuitas. As produções de grandes musicais também serão inviabilizadas.

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Divulgação/João Caldas
"Billy Elliot" é um exemplo de musical que atualmente está em cartaz e contou com a Lei Roaunet

Esse musicais ocupam um papel importante na formação de novos profissionais. No inicio das produções de musicais no Brasil havia uma tendência a se utilizar textos e profissionais importados. No entanto, com a evolução, tanto os textos como os profissionais foram desenvolvidos no Brasil.

Passamos a ver musicais genuinamente brasileiros (Tim Maia, Elis Regina, Chacrinha etc.). O desenvolvimento de um mercado promissor será agora interrompido. Esses musicais não sobreviverão sem incentivo fiscal. Não são viáveis.

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» Como vê a regionalização dos incentivos?

Henilton: Isso é uma falácia. Não há como regionalizar se não mudar a base da captação dos recursos. Hoje, apenas as empresas que utilizam o regime tributário de Lucro Real podem investir. A base desse imposto de renda (baseado em Lucro Real) está concentrada nos dois estados de maior concentração econômica.

Não é o incentivo fiscal da cultura que está concentrado, é a economia brasileira. A regionalização deveria ser obtida com o pleno funcionamento do FNC, criado para equalizar essa distribuição. O problema é que, historicamente, o Governo vem desidratando o fundo, não fazendo os repasses da Loteria Federal para ele. A cada ano o valor do FNC diminui.  Não cumprem o que está na lei e querem que o incentivo fiscal dê conta dessa regionalização.

» Como colocar em prática essa descentralização então?

Henilton: O incentivo fiscal só será melhor distribuído se mudarmos a regra da base, incluindo empresas menores que têm seus impostos calculados com base no lucro presumido. Isso, sim, poderia descentralizar a base de investidores.

Outra boa iniciativa para descentralizar é permitir que as pessoas físicas façam seus investimentos no momento da declaração do imposto de renda, diretamente no formulário (como já acontece dom o FIA). Hoje, menos de 2% dos investimento são oriundos de pessoas físicas.

» O discurso oficial sugere uma democratização dos incentivos à cultura, incluindo ampliação de ingressos gratuitos e incentivo a ações educativas. Acredita que isso vai se concretizar?  

Henilton: Não. Não adianta aumentar o numero de ingressos gratuitos. Hoje as produções já tem inúmeros problemas em distribuir esses ingressos, porque os públicos eleitos como alvo não conseguem chegar aos teatros, casas de espetáculo etc..

Não chegam nem têm condições de voltar. Isso é a demonstração da falta de conhecimento da dinâmica da cultura. As ações educativas já existem, não é novidade, é apenas uma repaginação do que hoje já existe.

Essas ações educativas são realizadas pelos equipamentos (museus, centros culturais, orquestras etc.). Pequenos produtores, aqueles que poderiam realizar um show, um disco, uma exposição etc (aqueles que o governo agora elege como alvo da “nova” lei) não terão estrutura pra desenvolver essas ações educativas.

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