As fake news a gente conhece: notícias falsas, disseminadas principalmente via redes sociais e grupos de mensagens, que acabam ganhando força e caem no “boca a boca”. Grave, o tema ganhou destaque nas últimas eleições, com diversos grupos jornalísticos se propondo a verificar a veracidade dos fatos.

Qual o limite? pesquisador americano vê
Reprodução
Qual o limite? pesquisador americano vê "apocalipse digital" no futuro das fake news

Esse fenômeno, porém, continua ganhando força, e pode se transformar em algo muito pior no futuro: um apocalipse da informação, ou infocalipse. Esse foi o termo cunhado pelo pesquisador e engenheiro eletrônico formado pelo MIT, Aviv Ovadya, para descrever o destino das fake news .

Leia também: Maisa desmente boatos sobre Raul Gil e cobra jornalismo responsável no Brasil

Para Aviv, a perspectiva não é boa: o próximo passo são as “deep fakes”, que incluem adulteração de imagens. Com novas tecnologias em desenvolvimento, é possível fazer um vídeo de uma pessoa – um político, por exemplo, e literalmente colocar palavras em sua boca que nunca foram ditas.

De acordo com ele o infocalipse acontecerá quando ninguém mais for capaz de confiar em ninguém, e isso causará um enfraquecimento das instituições – sejam elas empresas privadas, governamentais ou o que seja. Estudantes da Universidade de Washington criaram uma ferramenta que faz justamente isso, e exemplificaram com um vídeo do ex-Presidente americano Barack Obama.

A possibilidade de adulterar vídeos de um político pode levar a conflitos violentos que, não fosse por essa falsificação, poderiam ser resolvidos diplomaticamente. Para Aviv, ainda é difícil mensurar o resultado disso, a sua previsão para os próximos 20 anos não é positiva. Instituições enfraquecidas, na sua visão, significa uma democracia enfraquecida, o que abre espaço para governos opressores. Se for possível manipular a informação, eventualmente será impossível determinar o que é verdade ou mentira.

Em 2016, quando se deu conta disso, Aviv Ovadya deixou seu trabalho e buscou as maiores companhias do Vale do Silício, como Google e Facebook. Na época ele foi ignorado, porém com os eventos dos últimos anos, as empresas de tecnologia, bem como a mídia, perceberam o que ele já previa da pior maneira possível: as fake news dominaram a comunicação e tiveram grande impacto nas decisões dos últimos anos.

O impacto das fake news

Durante semana de votação do impeachment, três das cinco notícias mais lidas eram falsas
Agência Brasil
Durante semana de votação do impeachment, três das cinco notícias mais lidas eram falsas

Durante o processo de impeachment de Dilma Rouseff, em 2016, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP fez um levantamento que mostrou que três das cinco notícias divulgadas na semana eram falsas. O estudo analisou 6,1 milhões de compartilhamentos nas redes sociais. Embora ainda não haja dados concretos sobre 2018, viu-se um esforço muito maior para tentar barrar essas notícias. Ainda assim, não parece ter tido efeito.

Leia também: Pabllo Vittar, Katy Perry e as fake news mais bizarras do mundo da música

Nos EUA, por exemplo, o número de fake news aumentou entre as eleições presidenciais de 2016 e as eleições legislativas de 2018, de acordo com um estudo da Universidade de Oxford. É muito cedo para dizer se, de fato, essas informações influenciaram diretamente os resultados das eleições, mas tiveram impacto nas campanhas que, além de tudo, ainda tinham que desmentir boatos.

Otimismo

Aviv Ovadya desenvolveu o conceito de
Reprodução
Aviv Ovadya desenvolveu o conceito de "infocalipse", que leva as fake news a outro patamar

A visão de Aviv Ovadya é bastante pessimista, mas não é um consenso. Priscilla Silva, do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), vê uma mudança de paradigma, mas acredita que, a medida que as fake news se estabelecem, surgem melhores ferramentas para identifica-las. “Ainda não sabemos administrar (as fake news) justamente por causa da evolução exponencial dessas tecnológicas. Mas, apesar desse caos, eu ainda tenho uma visão mais otimista”, comenta Priscilla.

Silva é advogada e membro do DROIT (grupo de pesquisa em direito e novas tecnologias da PUC-Rio). Para ela, a sociedade vai viver um processo de adaptação em relação a esse conceito, mas eventualmente vai conseguir separar o que é verdadeiro e falso. “Os usuários estão mais treinados, é um trabalho de formiguinha. As pessoas estão se adaptando, elas vão aderindo aos poucos ao processo de investigação”. A consequência disso, para ela, é um jornalismo ético com mais credibilidade.

Durante as eleições no Brasil, um grupo de jornalistas de diversos veículos se uniu e criou o “Projeto Comprova”, onde verificava as informações e identificava se eram falsas ou não. Muitos grupos de checagem foram criados no período para combater as fake news, mas elas não deixaram de se espalhar.

Mesmo com a verdade verificada, por que as pessoas ainda compartilham mentiras? Para Priscilla o nome disso é viés de confirmação. Essa teoria foi criada pelo psicólogo Peter Wason em 1960 que diz que o ser-humano tem a tendência de, uma vez adotada uma crença, só buscar exemplos que a confirmem.

Sendo assim, as pessoas podem até saber que não é verdade, mas espalham a informação assim mesmo, pois condiz com sua forma de pensar. “Nós temos preconcepções no nosso imaginário e busca maneiras de confirmar o que pensa”, explica Priscilla.

Por isso a melhor maneira de evitar as mentiras pode ser suprimir sua disseminação. Aviv diz que o caminho para sanar as mentiras é árduo e exige a participação de todas as camadas da sociedade. Ele usa como exemplo o YouTube. Para ele a plataforma não deve impedir que esse conteúdo seja exibido, mas sim encontrar meios de dificultar seu acesso, enquanto as informações verdadeiras são exibidas de maneira mais fácil e evidente para os usuários.

O futuro é fake?

Fake news
Reprodução
Fake news

Google, Twitter e Facebook já anunciaram medidas para tentar frear fake news. No caso da rede social de Zuckerberg, uma parceria com empresas de checagem vai informar se a notícia compartilhada é confiável ou não.

A dificuldade maior está justamente em evitar o viés da confirmação. “As fake news e deep fakes trabalham muito com mexer com as emoções, buscam sempre o que as pessoas estão querendo ouvir, ou buscam gerar uma comoção no sentido de desconformidade geral”, comenta Priscilla.

Leia também: "A sociedade quer e ajuda a ser enganada", diz autor de livro sobre fake news

Desse modo, o infocalipse ainda é muito possível, e as medidas que existem para tentar evita-lo são ineficientes. Quando surgem novas tecnologia para barrar fake news , surgem outras mais modernas para burlá-las. Prever o que está por vir é bom, mas ainda há um longo caminho pela frente para evitar um apocalipse digital. Enquanto isso, cabe a cada um ter o cuidado de verificar a veracidade das informações.  

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!