As fake news a gente conhece: notícias falsas, disseminadas principalmente via redes sociais e grupos de mensagens, que acabam ganhando força e caem no “boca a boca”. Grave, o tema ganhou destaque nas últimas eleições, com diversos grupos jornalísticos se propondo a verificar a veracidade dos fatos.
Esse fenômeno, porém, continua ganhando força, e pode se transformar em algo muito pior no futuro: um apocalipse da informação, ou infocalipse. Esse foi o termo cunhado pelo pesquisador e engenheiro eletrônico formado pelo MIT, Aviv Ovadya, para descrever o destino das fake news .
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Para Aviv, a perspectiva não é boa: o próximo passo são as “deep fakes”, que incluem adulteração de imagens. Com novas tecnologias em desenvolvimento, é possível fazer um vídeo de uma pessoa – um político, por exemplo, e literalmente colocar palavras em sua boca que nunca foram ditas.
De acordo com ele o infocalipse acontecerá quando ninguém mais for capaz de confiar em ninguém, e isso causará um enfraquecimento das instituições – sejam elas empresas privadas, governamentais ou o que seja. Estudantes da Universidade de Washington criaram uma ferramenta que faz justamente isso, e exemplificaram com um vídeo do ex-Presidente americano Barack Obama.
A possibilidade de adulterar vídeos de um político pode levar a conflitos violentos que, não fosse por essa falsificação, poderiam ser resolvidos diplomaticamente. Para Aviv, ainda é difícil mensurar o resultado disso, a sua previsão para os próximos 20 anos não é positiva. Instituições enfraquecidas, na sua visão, significa uma democracia enfraquecida, o que abre espaço para governos opressores. Se for possível manipular a informação, eventualmente será impossível determinar o que é verdade ou mentira.
Em 2016, quando se deu conta disso, Aviv Ovadya deixou seu trabalho e buscou as maiores companhias do Vale do Silício, como Google e Facebook. Na época ele foi ignorado, porém com os eventos dos últimos anos, as empresas de tecnologia, bem como a mídia, perceberam o que ele já previa da pior maneira possível: as fake news dominaram a comunicação e tiveram grande impacto nas decisões dos últimos anos.
O impacto das fake news
Durante o processo de impeachment de Dilma Rouseff, em 2016, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP fez um levantamento que mostrou que três das cinco notícias divulgadas na semana eram falsas. O estudo analisou 6,1 milhões de compartilhamentos nas redes sociais. Embora ainda não haja dados concretos sobre 2018, viu-se um esforço muito maior para tentar barrar essas notícias. Ainda assim, não parece ter tido efeito.
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Nos EUA, por exemplo, o número de fake news aumentou entre as eleições presidenciais de 2016 e as eleições legislativas de 2018, de acordo com um estudo da Universidade de Oxford. É muito cedo para dizer se, de fato, essas informações influenciaram diretamente os resultados das eleições, mas tiveram impacto nas campanhas que, além de tudo, ainda tinham que desmentir boatos.
Otimismo
A visão de Aviv Ovadya é bastante pessimista, mas não é um consenso. Priscilla Silva, do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), vê uma mudança de paradigma, mas acredita que, a medida que as fake news se estabelecem, surgem melhores ferramentas para identifica-las. “Ainda não sabemos administrar (as fake news) justamente por causa da evolução exponencial dessas tecnológicas. Mas, apesar desse caos, eu ainda tenho uma visão mais otimista”, comenta Priscilla.
Silva é advogada e membro do DROIT (grupo de pesquisa em direito e novas tecnologias da PUC-Rio). Para ela, a sociedade vai viver um processo de adaptação em relação a esse conceito, mas eventualmente vai conseguir separar o que é verdadeiro e falso. “Os usuários estão mais treinados, é um trabalho de formiguinha. As pessoas estão se adaptando, elas vão aderindo aos poucos ao processo de investigação”. A consequência disso, para ela, é um jornalismo ético com mais credibilidade.
Durante as eleições no Brasil, um grupo de jornalistas de diversos veículos se uniu e criou o “Projeto Comprova”, onde verificava as informações e identificava se eram falsas ou não. Muitos grupos de checagem foram criados no período para combater as fake news, mas elas não deixaram de se espalhar.
Mesmo com a verdade verificada, por que as pessoas ainda compartilham mentiras? Para Priscilla o nome disso é viés de confirmação. Essa teoria foi criada pelo psicólogo Peter Wason em 1960 que diz que o ser-humano tem a tendência de, uma vez adotada uma crença, só buscar exemplos que a confirmem.
Sendo assim, as pessoas podem até saber que não é verdade, mas espalham a informação assim mesmo, pois condiz com sua forma de pensar. “Nós temos preconcepções no nosso imaginário e busca maneiras de confirmar o que pensa”, explica Priscilla.
Por isso a melhor maneira de evitar as mentiras pode ser suprimir sua disseminação. Aviv diz que o caminho para sanar as mentiras é árduo e exige a participação de todas as camadas da sociedade. Ele usa como exemplo o YouTube. Para ele a plataforma não deve impedir que esse conteúdo seja exibido, mas sim encontrar meios de dificultar seu acesso, enquanto as informações verdadeiras são exibidas de maneira mais fácil e evidente para os usuários.
O futuro é fake?
Google, Twitter e Facebook já anunciaram medidas para tentar frear fake news. No caso da rede social de Zuckerberg, uma parceria com empresas de checagem vai informar se a notícia compartilhada é confiável ou não.
A dificuldade maior está justamente em evitar o viés da confirmação. “As fake news e deep fakes trabalham muito com mexer com as emoções, buscam sempre o que as pessoas estão querendo ouvir, ou buscam gerar uma comoção no sentido de desconformidade geral”, comenta Priscilla.
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Desse modo, o infocalipse ainda é muito possível, e as medidas que existem para tentar evita-lo são ineficientes. Quando surgem novas tecnologia para barrar fake news , surgem outras mais modernas para burlá-las. Prever o que está por vir é bom, mas ainda há um longo caminho pela frente para evitar um apocalipse digital. Enquanto isso, cabe a cada um ter o cuidado de verificar a veracidade das informações.