Gaspar Noé é polêmico e sabe disso. Mas, para seu novo filme, “Clímax” ele investiu menos na polêmica e mais no caos. O filme é dividido em duas partes e vai do êxtase ao pânico. Começando, literalmente, pelo fim, a primeira cena deveria dar uma ideia do que estava por vir, mas conforme a primeira metade progride, é difícil imaginar tal final se materializando.
Passado nos anos 1990, “ Clímax ” mostra uma dançarina, Selva (Sophia Boutella), que reúne um grupo de jovens para sua companhia. De início conhecemos melhor cada um deles, hétero e homossexuais, com diferentes históricos e de diferentes classes sociais.
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Noé se demora nessa apresentação, como costuma fazer em suas cenas, o que facilita a conexão com os mais de 20 personagens que serão protagonistas ao longo do filme. O êxtase começa quando eles estão ensaiando. Em uma sala, vemos a coreografia progredir fluída e confusa ao mesmo tempo – como o filme em si. Todos tem seu momento de destaque e, depois de um ensaio intenso, eles decidem fazer uma festa, regada a sangria.
Essa felicidade coletiva segue conforme a festa progride, entre conversas sobre sexo, fofocas e a efervescência emocional e hormonal dos jovens cada vez mais evidentes. Desapegado de qualquer estética ou regra cinematográfica, Gaspar Noé marca o fim da primeira metade do filme com os créditos. A partir daí, os rumos mudam, e a história – até então iluminada, linear e até divertida, começa a se transformar.
Selva é a primeira a se sentir mal e ficar convencida de que tinha drogas na bebida. A partir daí, a ideia de terem sidos drogados sem autorização toma conta de todos que beberam, que se dividem entre o pânico, desespero, medo e euforia. Fechados no local, que é uma espécie de escola onde todos estão morando, inicia-se uma busca pelo responsável por batizar a sangria.
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O fim do mundo
Filmes que exploram o fim do mundo costumam seguir duas linhas – acompanhar os heróis que vão impedir a derrota, ou os sobreviventes da tragédia. Mas e nesse meio tempo? O que acontece com os que não são heróis ou sobreviventes? Eles se tornam animais e seu instinto de sobrevivência prevalece? Eles pensam em si e nada mais?
Noé segue uma linha de pensamento próxima a isso, exceto que o fim do mundo é a suposta droga – ou melhor, seu efeito no grupo. Até quem não bebeu eventualmente é dominado pelo caos ao redor (o que faz questionar se havia alguma droga na história para começo de conversa). “O que está acontecendo?” é uma pergunta constante ao longo do filme, já que todos parecem ter perdido o controle.
Em sua maior parte improvisado, é interessante ver como essas pessoas (a maioria não-atores) escolhem reagir em relação a esse “fim do mundo”. Uns abraçam a sensação da droga e dançam, outros ficam desolados e preocupados, outros excitados, outros violentos. É o reconhecimento de um instinto muito primário, que só vai ser mostrado em uma situação extrema, como é o caso.
O principal trunfo do filme, porém, é justamente o fato de ser dirigido por Gaspar. Na mão de outro diretor, essa ideia poderia sair amadora ou esquizofrênica, mas o diretor sabe como usar a câmera e vai lentamente transformando a euforia em caos, fazendo crescer o pânico também em quem assiste. O tal clímax pode ser comparado ao inferno de Dante, com as luzes vermelhas infernais somando-se aos gritos, lamentações, música.
Sofia Boutella , que era dançarina antes de começar a atuar, está fantástica como Selva, e consegue imprimir o desespero de uma líder que não consegue controlar o grupo, nem a si mesma. Mas todos os artistas parecem ter compreendido a ideia ao máximo e abraçado essa “bad trip” coletiva.
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“ Clímax ” é perturbador, como os outros trabalhos do diretor, mas não o é gratuitamente. Não existe uma cena feita para incomodar, mas sim um desconforto constante que nos faz questionar nossos próprios instintos caso postos em uma situação similar. É o trabalho menos polêmico e mais inclusivo do diretor, e mais fácil de criar identificação.