O brasileiro é um povo extremamente musical , então não é uma grande surpresa que um gênero teatral que mistura canto, dança e interpretação tenha caído no gosto popular. Nos últimos anos, é visível a ascensão que os musicais tiveram – principalmente em São Paulo. Se antes era possível contar nos dedos as produções em cartaz, hoje, é preciso priorizar o que deseja assistir, pois são muitas as opções.
O ano de 2019 mal começou e as produtoras já estão a todo vapor. Alguns musicais seguem a temporada, inúmeros outros estreiam para ficar alguns meses em cartaz e projetos independentes ganham cada vez mais força. Para traçar um panorama do que esperar do teatro musical no Brasil este ano, o iG conversou com alguns produtores que deram detalhes dos espetáculos que estão produzindo. Confira!
Do ballet clássico ao rock in roll
No segundo semestre de 2018, “Annie, o musical” cativou seguindo a linha de musical para a família. A temporada contou com mais de 75 mil espectadores e volta em janeiro para se despedir do palco do Teatro Santander. “É um espetáculo que caiu no gosto da criançada e do adulto. Fala de amor, esperança e política também. Envolve temas sérios, mas também é divertido. No ponto de vista de público, foi um sucesso”, afirma o produtor Cleto Baccic, do Atelier de Cultura.
Os próximos dois projetos da produtora são ousados por trazer novamente crianças como protagonistas. “Billy Elliot” chega pela primeira vez no Brasil e tem sua estreia prevista para 14 de março, no Teatro Alfa – serão 26 crianças que se dividirão em dois elencos infantis. “Quem assiste, é tocado em algum momento porque fala de aceitação, de preconceito, estabelece que você pode ser o que quiser independente de ser homem e mulher”, garante Bacci.
O espetáculo terá liberdade criativa, mas as coreografias precisam ser mantidas originais e terão supervisão de Peter Darlin, coreógrafo inglês responsável pela montagem original na Broadway. O processo de audição está adiantado, mas o produtor confessa que encontrar dois meninos que saibam cantar, dançar ballet clássico, sapatear, fazer acrobacias e ainda interpretar bem não está sendo uma tarefa fácil.
Já no segundo semestre, o Atelier de Cultura traz “School of Rock”, inspirado no filme de sucesso de mesmo nome que tem Jack Black como protagonista. Com estreia prevista para 15 de agosto deste ano no Teatro Santander, o mesmo em que está “Annie”, o musical terá 13 crianças no palco que terão um desafio a mais: o de tocar instrumentos em cena.
“É um show delicioso, animado. Vai ter uma banda no palco, eles tocam ao vivo e isso torna o casting muito difícil. O que posso dizer é que em ‘School of Rock’ também teremos liberdade criativa, podemos fazer os figurinos e o cenário que a gente quiser”, conta Baccic que descarta uma prorrogação de temporada. “Não consigo continuar com nenhum dos dois projetos porque tenho que entregar o teatro para outras produções.”
Mais rock e musicais infantis inspirados em animações
Contando a história do menino que não queria crescer, a Touché Entretenimento teve destaque em 2018. “Peter Pan” foi outro sucesso de público e crítica – garantindo diversas indicações e alguns prêmios.
Enquanto essa grande produção segue para o Rio de Janeiro, em São Paulo, as próximas produções da Touché a ganhar os palcos são: “American Idiot”, um musical em parceria com Mauro Mendonça Filho que conta com músicas da banda Green Day e que terá Thiago Fragoso e Di Ferrero no elenco; e os infantis “Madagascar” e o “Natal de Charlie Brown”.
Em conversa com o iG , a produtora Renata Borges conta que “Footloose”, produção que terá Alonso Barros como diretor, segue em fase de captação e em breve sua data de estreia será anunciada. “Já temos três patrocinadores e estamos querendo mais dois para realizarmos um musical com excelência.”
Em pré-produção para os próximos anos, a Touché Entretenimento trabalha em outros títulos de peso, como “Carrousel”, “Something Rotten”, “42street” e “Bob Esponja”. Todos os detalhes dessa produção serão divulgados mais para frente.
O fundo do mar dá espaço a uma mansão
Dificilmente um espetáculo baseado em uma animação da Disney tem liberdade criativa, “A Pequena Seria” teve e a versão brasileira levou muitas famílias para o Teatro Santander. Stephanie Mayorkis, sócia da EGG Entretenimento, empresa que junto com a IMM Esporte e Entretenimento trouxe o espetáculo para o Brasil, explica que para 2019 eles resolveram apostar em outro público.
“Achamos que era a hora de investir numa montagem adulta e que, ao mesmo tempo, não abrisse mão das nossas premissas: grandes musicais da Broadway com grande nível de qualidade. Por isso, escolhemos ‘Sunset Boulevard’, um musical que é uma verdadeira obra-prima do Andrew Lloyd Webber, baseado no filme de Billy Wilder”, justifica Stephanie.
O espetáculo fala dos bastidores de Hollywood e foi muito elogiado pela crítica recebendo 11 indicações no Tony Awards e vencendo sete – inclusive o de “Melhor Musical”. Os protagonistas para montagem brasileira são dois atores conhecidos da televisão, mas também do teatro musical.
Stephanie fala que Marisa Orth e Daniel Boaventura foram escolhidos por serem atores com grande tessitura cômica e dramática. “Nomes conhecidos no elenco ajuda a atrair público, mas numa produção deste nível técnico não basta só isso.”
Uma curiosidade é que Marisa Orth está sendo preparada, desde o primeiro semestre de 2018, para o papel de Norma Desmond por Fiona McDougal, a mesma preparadora vocal da Glenn Close, atriz que fez a protagonista no casting original da Broadway e levou o Tony de melhor atriz pela personagem.
O clássico dos musicais continua
Um dos maiores sucessos do teatro musical voltou ao Brasil, novamente no Teatro Renault, em agosto do ano passado. “O Fantasma da Ópera” é um dos títulos mais conhecidos do teatro musical e impressiona seja pelas belas canções, grandiosa estrutura ou pelos efeitos especiais – como o lustre que costuma deixar o público eufórico. Essa junção de fatores torna o musical um dos grandes sucessos do segundo semestre de 2018, com ingressos concorridíssimos.
“‘O Fantasma da Ópera’ faz sucesso porque conta uma história clássica. O Fantasma se apaixona por uma jovem soprano e a transforma em uma estrela, mas ela fica dividida entre dois amores. A história tem desencontros, mistérios e amor”, afirma Renata Alvim, gerente geral da divisão de teatro da Time For Fun (T4F).
Com tanto sucesso, a temporada já foi prorrogada para o primeiro semestre deste ano. Renata mantém o mistério, mas, se o sucesso de público se repetir, o musical tem força para uma terceira temporada, ou seja, ele provavelmente ficará em cartaz até o final de 2019. Vale lembrar que da primeira vez que o musical veio ao Brasil ele ficou em cartaz de 2005 a 2007.
Para os próximos anos, Renata afirma que há vários projetos em andamento, mas a T4F ainda não pode anunciar qual será o substituto do ‘Fantasma’. “O que posso adiantar é que certamente o público vai gostar”, garante. A grande aposta é que no lugar do misterioso mascarado fique outro grande clássico voltado para as famílias: “Mary Poppins”.
Musicais independentes mostram potencial
Uma das grandes surpresas do segundo semestre de 2018 foi o espetáculo independente “Tick, Tick... Boom”, primeiro montado pela recente Companhia Paralela. O musical é simples em termos de cenário, figurino e efeitos, mas possui grande qualidade cênica. Sem dúvidas, o que ganha o público é domínio que os experientes protagonistas têm do palco e das músicas.
“É essencial em um espetáculo de pequeno porte que o elenco seja muito bom, independente do tamanho da produção. O foco está no ator e não tem subterfúgio. Cada palavra, intenção, movimento ou nota musical devem ser precisos, pois são essenciais para contar a história”, afirma Bel Gomes que assina a direção artística do musical.
“Tick, Tick... Boom” chegou modesto, sendo apresentado em dias alternativos, mas ganhou o público e volta em cartaz no dia 09 de janeiro, novamente no teatro FAAP. A temporada está prevista para até o dia 31 de janeiro, mas agora passará a ser apresentado as quartas e quintas-feiras. Para este ano, a intenção da Companhia é viajar aos finais de semana pelo Brasil com o espetáculo.
Bel conta ao iG que entre os planos para este ano está estrear “Murder Ballad, O Último Som” – uma pequena ópera rock, com quatro atores e quatro músicos. “Está em cartaz na Off-Broadway, em Nova York, e em West-End, em Londres. Já estamos versionando e pretendemos começar a ensaiar em março.”
Outro espetáculo na lista é “Cão De Caça” (Sleuth), de Antony Shaffer, um espetáculo teatral que terá Leopoldo Pacheco e Thiago Machado como protagonistas. Os ensaios estão previstos para começar em junho. Tudo será feito de forma tranquila e respeitando a agenda dos atores e demais envolvidos.
“A Companhia Paralela foi criada justamente para termos liberdade de criação e pesquisa. Sendo independentes podemos pesquisar e nos aventurar em todas as áreas que nosso trabalho envolve”, explica Bel. “Uma das dificuldades que temos é que precisamos trabalhar no tempo ‘livre’ dos nossos outros trabalhos, ou seja, não temos a equipe em tempo integral e nos adaptamos a diversas agendas.”
Público jovem representado
Seguindo a linha independente, “Bullying, o Musical” chegou para ser divulgado nas redes sociais com uma abordagem bem jovem e tem despertado a curiosidade dos fãs desse gênero teatral. Allan Oliver, Breno Ganz, Guilherme Soares, Letícia Andrade e Victor Lorenzo se dividem entre a direção e produção do espetáculo que, como o nome indica, fala dos preconceitos sofridos pelos jovens na adolescência – principalmente no ensino médio.
Os responsáveis explicam que veem a necessidade de falar sobre esse tema sério, mas abusarão do humor para trazer leveza ao espetáculo. A princípio a temporada acontecerá de março a maio, no Teatro West Plaza, em São Paulo.
Para ajudar a colocar o musical em cartaz foi lançada uma campanha de financiamento coletivo – algo feito pela 4Act ano passado para montar o Off-Broadway “Na Pele”, o musical até conseguiu o dinheiro, mas não manteve a temporada por problemas técnicos.
Volta ‘Lembro’, ‘Cometa’ talvez e ‘Chaves’ vem aí
Com um romance russo complicado, mas contagiante, o Núcleo Experimental trouxe uma nova forma de ver teatro musical no Brasil. “Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812” teve o palco substituído por um “bar russo” cheio de passarelas. O espetáculo interativo conquistou fãs e 37 categorias a prêmios nacionais. Com tanta repercussão, Zé Henrique de Paula, diretor do musical, fala ao iG que há um desejo de voltar, mas eles dependem de patrocínio e agenda de equipe e elenco.
Enquanto a volta do “Grande Cometa” não é certa, o sensível musical nacional “Lembro Todo dia de Você”, que conta a história de um jovem portador de HIV, está com sua reestreia garantida. “Isso é totalmente certo e vai acontecer no primeiro semestre. Ainda estamos fechando a pauta, mas sabemos que devem ser de oito a 10 semanas de temporada”, afirma Zé.
O diretor também fala que Núcleo Experimental está em fase de coleta de depoimentos para um novo musical autoral. “Ainda sem título, o musical desta vez vai focar nos pais e mães de filhos LGBT. Também temos novo projeto com nossa parceira Adriana Del Claro, a mesma de ‘Carrossel’ e do ‘Cometa’. Vamos fazer juntos o musical do ‘Chaves’, com texto inédito de Fernanda Maia e direção minha.”
Padroeira do Brasil ganha os palcos
Nos últimos anos, a maioria dos musicais nacionais seguiam a linha de biografias de grandes personalidades da música e da televisão. Isso tem mudado e uma das promessas para este ano é um espetáculo que envolve a história da santa católica com mais devotos no Brasil: Nossa Senhora Aparecida.
A ideia surgiu após Maria Eugenia Malagodi, que está produzindo o espetáculo com Eurico Malagodi, fazer uma visita ao santuário da padroeira, na região de Aparecida. Isso aconteceu em 2015, mas a dificuldade em saber como contar essa história fez o espetáculo ser adiado e só chegar aos palcos este ano – com o auxílio do dramaturgo Walcyr Carrasco, que escreveu o musical.
“‘Aparecida, o Musical’ será um espetáculo moderno, emocionante, para toda a família, devotos, admiradores, curiosos, fãs de musicais, crianças, jovens, adultos e idosos. Estamos criando um musical para agradar a todos e tocar o coração de muitos”, conta Eurico ao iG . A preocupação com a questão religiosa sempre existiu e o produtor fala que antes de iniciar o projeto ele e sua equipe foram ao Santuário Nacional pedir apoio oficial, e receberam.
“Por ser a Padroeira do Brasil, com milhões de devotos, Aparecida não representa apenas uma religião, Ela é adorada por pessoas de diversas crenças. O musical tem como principal fio condutor o poder de Aparecida em promover transformações humanas, desde os mais humildes aos mais ricos. Por isso, não focamos a história apenas no aspecto religioso e, sim, no espiritual”, enfatiza Eurico.
A história, que terá 20 músicas originais compostas por Ricardo Severo, será contada a partir do dia 22 de março no Teatro Bradesco, em São Paulo. A temporada, assim como a de muitos musicais , é curta e o espetáculo fica em cartaz somente até junho.