A Netflix se tornou um celeiro tão vasto de produções originais que uma série estrelada por Michael Douglas e criada e produzida por Chuck Lorre, o homem responsável por duas das sitcons de maior sucesso do século XXI (“Two & Half Men” e “The Big Bang Theory”), estreia praticamente despercebida na plataforma de streaming.
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“ The Kominsky Method ” não é uma sitcom, mas é uma comédia dramática refinada e muito mais inteligente do que pode aparentar a princípio. Michael Douglas vive Sandy Kominsky, um veterano ator de teatro que mantém um curso de atuação e uma relação de amizade profunda com seu agente Norman (Alan Arkin).
São oito episódios de meia hora de duração e uma segunda temporada é plenamente possível, há inclusive bons ensejos alinhados, mas a série poderia se resolver muitíssimo bem apenas nesses oito episódios.
O trunfo da criação de Lorre é indubitavelmente a relação intensa e franca entre Sandy e Norman, mas o olhar que dispensa ao envelhecimento, as dores, renúncias e circunstâncias dessa fase da vida, constitui um valoroso foco dramático e narrativo que não costumamos ver na televisão. Emana fundamentalmente dessa realidade a potência criativa e humana, mas por que também não de mercado, da nova produção da Netflix.
Um senhor cartão de visitas
A cena de abertura é um monólogo em que Douglas aborda o que é ser ator. Pode parecer um rompante de arrogância – e a maneira como o astro ri de si mesmo e brinca com o próprio status em Hollywood demonstra que arrogância e vaidade definitivamente não fazem parte desta equação – mas se revela um comentário profundo e reverberante sobre o mundo de hoje e a frivolidade com que muitas coisas são percebidas. É um dos momentos em que Lorre, para surpresa de muitos, esbarra em Shakespeare.
Outro momento envolve próstata e “câncer no ânus”. As aulas do método Kominsky, aliás, são sempre excelentes de se espiar. Em parte pela cinefilia e curiosidade, e nesse aspecto há uma salutar equivalência com outra boa novidade de 2018, a série “Barry”, da HBO, mas fundamentalmente pelo painel que elas oferecem do tecido social contemporâneo.
A oposição entre maturidade e juventude é uma régua firme na série e que sempre possibilita desenhos interessantes – e com alguma frequência surpreendentes.
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Ode a Michael Douglas e Alan Arkin
Sandy é esse sujeito que casou e separou, mais de uma vez, e se ressente de maiores intimidades. Ele não admite, mas tem medo de envelhecer e rejeita a ideia de “se comportar” como velho. Esse tipo de postura, claro, gera choques internos, mas também em seu círculo social, cujos principais expoentes são a filha Mindy (Sarah Baker), Norman e sua esposa, Eileen (Susan Sullivan), que está morrendo de câncer.
Desnecessário dizer que Sandy evita ao máximo estar presente no fim da vida de Eileen. De certa forma, é possível classificar Sandy como a versão idosa de Charlie, personagem de Charlie Sheen em “Two & Half Men”, mas seria uma aproximação incompleta. O ator dá a seu Sandy uma complexidade que alimenta as perspectivas e objetivos da série.
Alan Arkin, no entanto, é o verdadeiro coringa do programa. Fazendo o tipo rabugento que já provou outras vezes ter talento para tal, o ator tangencia outro tipo de figura a viver o envelhecimento e favorece um registro doído, mas de incrível beleza, do luto e solidão nessa fase da vida.
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“The Kominsky Method” trabalha, e muito bem, com um punhado de emoções e se resolve como um olhar delicado e sensível sobre como lidar com a fase mais madura da vida e a proximidade da morte. O retorno de Michael Douglas à TV depois de 40 anos não poderia ser mais feliz e bem aventurado.