Quando a Netflix começou a funcionar, em 1997, a ideia era ser uma espécie de locadora “delivery”. Percebendo o declínio do modelo tradicional de assistir conteúdos, a empresa se desenvolveu para um serviço online, com um catálogo que incluía clássicos além de algumas séries, e passou a oferecer uma assinatura com baixo valor, além de um período de teste gratuito.
Não deu outra e, em poucos anos, a locadora online virou uma gigante que hoje vale US$ 100 bilhões. Com dinheiro no bolso, a Netflix começou então a apostar em produções originais – o que só fez crescer seu sucesso. Investindo em qualidade, a plataforma lançou em 2013 “House of Cards” e “Orange os The New Black”, dois sucessos instantâneos.
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Hegemonia e competição com a Netflix
Embora não divulgue números de audiência, é incontestável a força e a hegemonia da Netflix – não só como streaming , mas como plataforma de conteúdo no geral. Segundo dados obtidos pelo The Economist , no ano de 2018 o estúdio vai gastar entre US$ 12 e 13 bilhões, estreando mais de 80 filmes originais e 700 séries (entre novas, temporadas inéditas e concessões fora dos EUA) – mais do que qualquer outro estúdio ou canal de TV americano, seja em quantidade de produções ou em valores.
Esses números fazem arregalar os olhos de muita gente, principalmente de outros estúdios, o que pode significar o fim da era das “locadoras online”, para uma disputa acirrada de streamings. “Quem produz conteúdo - Disney, por exemplo - vai perceber que pode ganhar muito mais dinheiro com seus próprios serviços do que cedendo direitos pra um terceiro”, comenta o jornalista Thiago Borbolla, criador do site de entretenimento e cultura pop Judão .
Ele explica que, se a Netflix percebeu isso primeiro, os outros estúdios vão correr atrás: “A tendência é justamente essa: muito menos coisa no catálogo, muito mais conteúdo original, e muito mais serviços de streaming”, completa.
E essa tem sido a principal estratégia dos estúdios para barrar esse crescimento desenfreado da plataforma, afim de competir com ela. A própria Disney está puxando a fila e, em breve, tirará todo o seu conteúdo do streaming, em vista de uma plataforma própria.
Enquanto o streaming da Disney deve chegar em 2019 nos EUA, com previsão de expandir para outros países depois, a empresa fez outra grande aposta pensando em conteúdos inéditos: a compra da FOX. Além de ser a maior transição financeira entre estúdios, aumenta consideravelmente o escopo da Disney, que passa a contar com Fox , FX , Fox Searchlight e 30% de participação no Hulu, hoje um dos streamings que melhor se posiciona em termos de conteúdo.
O Hulu, inclusive, não bate a Netflix em quantidade de produção, mas com certeza em qualidade. Fora do mercado brasileiro, o site é responsável por alguns dos maiores sucessos dos últimos anos, como “The Handmaid’s Tale”, “Castle Rock”, além de bancar “The Mindy Project”, cancelada pela Fox.
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A Disney, porém, está apenas puxando a fila, que tem grandes nomes correndo atrás: Apple, Youtube, e até o Wallmart se preparam para entrar na competição. Para isso, eles apostam em grandes nomes. A Apple, por exemplo, não entregou muitos detalhes de sua plataforma, embora ela deva estrear em 2019. Mas a marca já assinou com Oprah Winfrey para a criação de conteúdo, além de Reese Whiterspoon e Jennifer Aniston para uma nova série.
O Youtube também entrou na briga e pretende lançar cerca de 50 produções originais no próximo ano. Entre os nomes que o canal aposta estão Robert Downey Jr. e Will Smith. “Essa guerra pelo espaço no mercado de streaming só tem aumentado, cada distribuidora com planos de criar seu próprio serviço e retirar seus itens dos acervos de outros streamings. Talvez a pergunta não seja mais como alcançar a Netflix , mas sim qual vai ser a próxima forma de consumir conteúdo depois que essa febre de exclusividade tomar conta do mercado”, comenta Camila Smid, comunicóloga e diretora de arte.
Comunicação e algoritmos
Se a imagem do futuro envolve diversas plataformas de streaming, o presente já tem algumas opções possíveis, como HBO Go ou Amazon Prime Video. Mas ambos estão distantes da liderança da Netflix.
A Amazon, porém, tem feito barulho. “Transparent” e “Mozart In The Jungle” são dois nomes de peso com diversos prêmios cada, servindo para estabelecê-la no circuito das séries. Só este ano, eles lançaram uma nova versão de “Jack Ryan” e se preparam para a chegada de “Homecoming”, produção que trará Julia Roberts para a TV.
“A Amazon precisa urgentemente de mais visibilidade. Seu preço é ainda melhor que o da Netflix, e seus diferenciais batem de frente. Mas seus conteúdos originais são muito pouco divulgados, e a sua comunicação ainda precisa encontrar um tom de voz original, que converse tanto com os consumidores fiéis quanto com potenciais assinantes”, opina Camila.
E é nessa ferramenta de comunicação que a Netflix prospera. A plataforma está muito presente na vida online de seus consumidores, sempre encontrando meios de dialogar de maneira a se tornar um “amigo online”. Esse tipo de relação fideliza o público e o aproxima de seu conteúdo, a ponto de estar disposto a conhecê-lo, mesmo que não seja sua opção inicial. Sendo assim, muitas pessoas buscam por produções que já estejam no site.
“O que acontece na Netflix é só mesmo a ideia de apresentar e produzir conteúdos que o público de uma região ou país se identifique mais de alguma maneira, ficando assim mais tempo dentro do sistema, podendo assistir mais coisas, gerando mais informações pros algoritmos”, comenta Borbolla.
Brasil
Por aqui, a competição com a Netflix é menor e ela reina absoluta. Isso não significa que não há uma tentativa de “derrubá-la”, e quem pode estar mais próxima disso é outra gigante: a Globo. O canal já deu uma rasteira no streaming quando ganhou a concorrência para exibir “The Good Doctor”, sucesso na TV americana.
“No caso da Globo, que tá apenas começando essa brincadeira de serviço de streaming, esse tipo de conteúdo é o que vai trazer assinantes. É mais do que uma opção, é a única opção, especialmente se o resto do conteúdo que eles oferecem é, essencialmente, o que se pode assistir na TV aberta”, explica Thiago. Para ele, a Netflix não está necessariamente preocupada com o conteúdo feito na TV, mas os canais de TV estão de olho do que a Netflix faz.
O Globo Play, inclusive, já começou a ter conteúdo próprio desenvolvido. A série “Carcereiros” foi criada para o streaming, mas acabou encontrando mais sucessos na TV. Porém, ainda este ano estreiam “Assédio” e “Ilha de Ferro” na plataforma. Nada impede que esse conteúdo vá parar na TV, claro, mas ele foi concebido para o online.
Para não ficar para trás, a Record lançou o PlayPlus que, além do conteúdo da emissora e de canais pagos como ESPN, aposta também em conteúdos originais. Por enquanto, porém, as produções tem mais cara de “Youtube”, como, por exemplo, Marcos Mion com um programa de entrevista sobre paternidade.
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Todas essas plataformas, no futuro, irão revolucionar a maneira de se assistir conteúdo. Em 10 anos, provavelmente não veremos mais TV de maneira tradicional, e o conteúdo será cada vez mais personalizado. A Netflix abriu caminho para um processo sem volta e agora atrai novos olhos. A vantagem é de quem assiste e pode contar com um leque crescente de produções que atendam seus gostos pessoais.