Há alguns bons filmes que elegem São Paulo como personagem como “Alguma Coisa Assim” (2018), “Não Por Acaso” (2007) e “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), mas “A Voz do Silêncio”, novo longa-metragem de André Ristum (“Meu País” e “O Outro Lado do Paraíso”) aborda a urbanidade da cidade sob um ponto de vista totalmente novo e complexo: a solidão.
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As pequenas pressões urbanas dão o tom de “ A Voz do Silêncio ”, um filme coral que busca amparo no melhor de Robert Altman para tangenciar um punhado de personagens às voltas com suas dores e expectativas.
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A premiada (com um kikito em Gramado) direção de Ristum enxerga as fissuras, mas também as fortalezas de figuras heterogêneas, mas que compartilham de angústias essencialmente humanas e este é, nas suas virtudes e defeitos, um filme sobre humanidades.
Não há início, meio e fim nas estórias desses personagens. Os encontramos e deixamos deles. Alguns mais bem ajambrados emocionalmente, outros em fortuita crise profissional, enquanto outros contemplam o caos da existência logo à frente. Esse emaranhado emocional, construído com alguma dose de clichês, mas também com o apoio de um roteiro muitíssimo bem costurado e um trabalho de cenografia e direção de arte concatenados com a ideia primária, norteia um filme que se pretende menos uma propulsão catártica e mais uma ode aos conflitos que nos moldam. Não à toa a última cena, um tango cantado em português, soa tão oxidante.
Elenco em fina sintonia
Há muitos personagens e pouco espaço para desenvolvê-los, um desafio perene para filmes corais, que não à toa estão relegados a um cinema que não se pratica mais. Justamente por isso, o desafio de Ristum não era pequeno, ele precisava de um elenco que compreendesse profundamente a essência de cada personagem.
Marieta Severo, e talvez não pudesse ser diferente, é o grande destaque do filme. Ela vive Maria Claudia. Uma mulher que passa o dia todo trancada em um apartamento assistindo programas evangélicos na TV. Aos poucos descobrimos que ela se consome pela culpa por ter brigado com o filho soropositivo. Desnecessário dizer que ela negligencia a filha Raquel (Stephanie de Jongh), que por seu turno, alimenta o sonho de ser cantora.
Há o garoto tímido que trabalha no telemarketing e se priva de desenvolver relações sociais, o advogado que busca expectativa sexual em toda mulher com quem cruza, a corretora pressionada por melhores resultados, o dono do restaurante que não estende aos funcionários à tolerância que clama de seus credores, o sujeito que toca a faculdade em paralelo com o trabalho e um argentino que recebe a notícia de que vai morrer.
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Com um uso inteligente, e frequentemente poético, da música, “ A Voz do Silêncio ” se resolve como um filme de muitos significados possíveis e uma verdade indelével: a beleza da vida está em abraçar nossas contradições e tentar aprender com elas.