Uma família unida faz uma longa viagem de carro para chegar a uma cidade litorânea e aproveitar as tão aguardadas férias de verão. Essa é a imagem inicial de “Sueño Florianópolis”, de Ana Katz , que foi exibido na Mostra de São Paulo e está em cartaz no Festival do Rio.
O filme, coprodução Brasil/Argentina, é uma crônica do desmantelamento de uma família, enquanto eles tentam decidir se querem se reagrupar ou se desfazer de vez. Em “ Sueño Florianópolis ”, a família, ainda na estrada, enfrenta problemas com o veículo e então conhecem pela primeira vez Marco (Marco Ricca) e Larissa (Andrea Beltrão).
A dupla oferece hospedagem para eles na cidade e eles se instalam numa pequena praia, afastada da Florianópolis badalada, e próxima de um paraíso. Na primeira noite na casa, Pedro (Gustavo Garzón) e Lucrecia ( Mercedes Morán ) explicam que estão em vias de se separar. “Mas comemos juntos quase todos os dias” comenta Pedro, tentando mostrar certa unidade familiar, o que Lucrecia parece contradizer.
Os quatro adultos conversam e, mesmo com línguas similares, há um entrave para a comunicação que permeia todo filme. É como se fosse muito difícil elaborar qualquer assunto, portanto todos preferem dizer apenas o mínimo necessário. Mas essa falta de comunicação acontece não só entre brasileiros e argentinos, mas também entre Pedro e Lucrecia, que claramente não conseguem decidir se se amam ou se odeiam.
“Sueño” é a crônica de uma família relativamente comum: pais com um trabalho estável e filhos unidos, desfrutando de sua irresponsabilidade adolescente. O filme tem um ótimo ponto a seu favor que é destacar os amores novos e velhos de pessoas maduras.
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O amor, o tesão e os impulsos românticos geralmente são relegados aos jovens, mas no longa é Lucrecia que permeia todos esses anseios e, embora vejamos um paralelo com sua filha Flor (Manuela Martinez) e o filho de Marco, é sua história que importa. É ela que se lança em uma jornada de redescobrimento ou, como ela mesma explica, de parar. Parar o curso de sua relação, parar o tempo e não ter que voltar para a realidade de Buenos Aires, parar o dia em um bom momento e não deixa-lo passar, só parar.
Em determinado momento, porém, fica evidente que o filme é só uma coleção dessas tentativas de parar a vida em bons momentos. Assim, a crônica não sustenta as quase duas horas de filme. A vida de Lucrecia pode ter mudado para sempre depois dos dias idílicos naquele pedaço de paraíso. Mas também pode ficar tudo como está e a casa, os momentos a brisa e o mar serão uma memória distante.
O sonho mesmo só chega no final do filme e seria mais eficiente se surgisse antes. Em meio a atividades na praia, cercados de cerveja, caipirinha, sol e calor, os momentos parecem uma ilusão, um delírio, mas tudo é sólido demais, real demais para gerar tal conflito entre realidade e sonho. Uma dose do surrealismo de Kleber Mendonça Filho cairia bem para incorporar esse sonho à história.
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“ Sueño Fliroanópolis ” é uma boa tentativa de fazer uma narrativa do cotidiano, embora Mercedes Morán tenha certa dificuldade em liderar esse grupo de adultos complicados. Mas Katz poderia abusar mais da criatividade narrativa para acompanhar as belas imagens paradisíacas do filme e nos colocar em contato com esse tal sonho.