Faz pouco mais de dois anos que o Brasil foi mergulhado em turbulento e intrincado processo de impeachment, o segundo desde a redemocratização, que culminou na deposição de Dilma Rousseff. “Excelentíssimos” captura a gênese desse processo e sua tramitação na Câmara dos Deputados.
O documentário de Douglas Duarte é crítico tanto da postura como do comportamento dos parlamentares durante o processo, o que já se afigura no título. “Excelentíssimos” , além de reproduzir sessões e falas de alguns personagens emblemáticos do processo, tem acesso a movimentações de bastidores e a personagens exemplares, como Carlos Marun (MDB) e Silvio Costa, então no PT do B, para dar conta de seu ponto de vista.
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A construção organizada por Duarte, com os préstimos da produtora Julia Murat, é solidária ao PT e às figuras de Dilma e Lula, o que não quer dizer que ignore as maquinações políticas ou contorça os fatos. O filme tem um ponto de vista e uma tese muito claras e se articula para dimensiona-las a contento, mas jamais cessa de empreender um esforço de compreensão conjuntural e sintomático.
Há o narrador. Uma espécie de Capitão Nascimento desencantado com o sistema. Ele começa com consciência de que aquela história não vai acabar bem e seu tom solene e grave dá pistas de que a arquitetura de uma grande arapuca política estava, e talvez ainda esteja, em curso.
Visão histórica
O filme defende o ponto de vista de que o PSDB e a candidatura derrotada em 2014 nas urnas não aceitou o resultado, tese reforçada pela recente autocrítica perpetrada pelo senador e ex-presidente tucano Tasso Jereissati, e patrocinou um movimento de longa cauda e permeabilidade para depor um governo consagrado pelas urnas.
Na leitura do longa, esse movimento teve o apoio crucial do PMDB, hoje MDB, que já detinha uma ala oposicionista capitaneada pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha, e circunstancial do judiciário. Além de não ser incomum, a tese defendida pelo filme tem bons argumentos e Duarte é bem sucedido em demonstrar como o crime de responsabilidade fiscal, que estava no cerne do pedido de impeachment, não era afluente do processo de maneira alguma.
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Com os excelentíssimos
Silvio Costa, um dos principais soldados do governo na infantaria da Câmara, é uma voz a qual o documentário recorre com frequência, assim como a Carlos Marun, preposto de Eduardo Cunha e Michel Temer. O jogo de luzes sobre esses dois macacos velhos da política, que se revelam quando falam, mas também sonegam algo à câmera, é um dos trunfos mais viscerais do longa de Duarte.
Outro elemento dramaticamente poderoso é a presença que Bolsonaro ocupa da metade para o final do filme. Quando estava filmando o longa, na primeira metade de 2015, Duarte, assim como qualquer outro brasileiro, não imaginava que Bolsonaro seria eleito presidente do Brasil dali a dois anos. Além de capturar o momento do lançamento de sua pré-candidatura ao cargo, Duarte revela a ascendência do bolsonarismo em meio aquele momento turvo, complexo e degradante da política brasileira.
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“Excelentíssimos” não é um filme neutro, mas não é desonesto intelectual ou formalmente e isso, em um Brasil tão polarizado política e ideologicamente, talvez não seja devidamente apreciado. Haverá quem diga que é um filme petista e quem diga que é ameno nos apontamentos das violações institucionais. São simplificações bem ao gosto de nosso tempo. Tempo este que o documentário tenta retratar com vigor jornalístico, expertise cinematográfica e alguma cota de indignação.