Keira Knightley é veterana de filmes de época. Estão aí “Orgulho & Preconceito” (2005), “Desejo e Reparação” (2007) e “A Duquesa” (2008), entre outros, para provar. Não deixa de ser impressionante, no entanto, a desenvoltura e aptidão da estrela para trafegar neste subgênero. “Colette” soma-se a esse vistoso plantel, mas também se distingue por ser aquele que mais confia nos predicados de Keira como atriz.
Dirigido por Wash Westmoreland (“Para Sempre Alice”) a partir de um argumento desenvolvido por ele seu marido Richard Glatzer, morto em 2015, o filme reconstitui a trajetória de Sidonie Gabrielle Colette , garota provinciana e filha de um veterano de guerra que se tornou a escritora mais influente da sociedade francesa do século XX.
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O roteiro assinado a seis mãos dá saltos temporais e se vale de elipses e diálogos tão sofisticados quanto sedutores para dar conta de uma vida tão rica e reverberante como a da biografada. O grande trunfo do texto, no entanto, é abraçar um feminismo que não é panfletário e resistir às tentações de vilanizar Willy (vivido com misto de canastice e fragilidade por Dominic West), bem como de convencionar a natureza da relação afetiva entre eles.
Amor e investimento
Willy vê na jovem Colette uma mulher à frente de seu tempo e vaidoso e intelectual que é decide toma-la para si, mas logo descobre que a relação com ela não será nos termos que ele estabelecer e que algum nível de concessão terá de ser feito. Willy publica romances e é figura colunável em uma Paris intelectualizada e boêmia, mas enfrenta profunda crise financeira.
Essas circunstâncias favorecem uma experiência. Sem poder pagar pelos escritores que habitualmente colaboram com sua editora, ele resolver escalar sua mulher como ghost writer.
A personagem Claudine, seus anseios e elaborações sobre a sociedade francesa, bem como suas picardias sexuais, calam forte junto a um público cioso por uma literatura escandalosa e instigante.
O inesperado sucesso, claro, promove Willy e Colette a outro patamar naquela cena burguesa, mas estabelece também outra dinâmica entre marido e mulher, uma que Wash Westmoreland desvela com apreço e minúcia revestindo seu filme de um delicado erotismo, mas também de um crescendo dramático consciencioso.
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Os trunfos de Colette
A maneira como o longa aborda a emancipação criativa, sexual e social de Colette em relação não só a seu marido, mas às amarras culturais da época é o aspecto mais entusiasmante de um filme repleto de pequenas delícias e sutis apontamentos, como a personagem de Denise Gouh. Sua Missy é um transgênero antes da formulação do conceito e sua importância para o amadurecimento intelectual, mas também emocional da protagonista constitui um comentário valoroso sobre o valor de se pensar uma agenda enquanto comunidade.
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Em um filme sem acontecimentos cataclísmicos, que se organiza como uma biografia e em que a sexualidade é um elemento tão latente quanto banal, seria natural uma recepção desentusiasmada. Mas é aí que Keira Knightley muda os sinais da equação. Sua atuação incisiva nos detalhes, absoluta nos olhares e gestos, e generosa nas sugestões dá ao filme outro tipo de materialidade, algo transcendental. O filme acaba, mas é impossível despedir-se de Colette .