O cinema nacional vive um momento tão próspero e intenso que somente neste 2018 temos três filmes que se debruçam sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff. “O Processo”, premiado em Berlim, Madrid e Buenos Aires, “O Muro” e “Excelentíssimos” são filmes diferentes que compõem um painel riquíssimo sobre esse conturbado e ainda reverberante episódio da história brasileira.

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dilma, impeachment
Reprodução/TV
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“Eu acho que temos uma lacuna muito grande por não ter filmes sobre o impeachment do Collor e as Diretas Já”, observa o jornalista e documentarista Douglas Duarte , responsável por “Excelentíssimos” , exibido no final de semana no Festival do Rio e que deve ser lançado entre o fim de 2018 e o início de 2019 comercialmente nos cinemas pela Vitrine Filmes.

Para Duarte, “é uma sorte muito grande” poder fazer filmes sobre esse momento conturbado e tão rico da política do Brasil. Para ele, as pessoas que hoje tem dez anos terão acesso a um material rico sobre esse momento histórico e isso é de um valor inestimável.

Seu filme foca na tramitação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados e é bastante crítico da atividade parlamentar durante esse processo. “Uma coisa é gritar na tribuna e outra é deixar a porta do gabinete entreaberta”, observa o cineasta a respeito das dificuldades para filmar na Câmara e obter material para seu filme. Foi dessa dificuldade que surgiu um dos personagens mais emblemáticos, quiçá proféticos do documentário. “O Congresso foi um lugar muito fechado pra gente. Por isso conseguimos perceber o Bolsonaro”.

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Um Bolsonaro exótico

Bolsonaro é uma festa para a câmera
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Bolsonaro é uma festa para a câmera"

Hoje presidente eleito, Bolsonaro frequentemente, inclusive nesses filmes, é retratado como um personagem exótico. Duarte tem um diagnóstico preciso sobre isso. “O fenômeno Bolsonaro escapou aos olhares mais treinados da política pelo aspecto pitoresco”, opina. “Me pareceu desde o início muito impressionante o auditório aplaudindo um cara falando o que ele falava”, diz sobre o momento do lançamento da pré-candidatura do então deputado pelo Rio de Janeiro que ele captou e colocou em seu filme.

Douglas rejeita qualquer mérito por esse olhar.  “Acho que se tive algum mérito aí foi deixar me impressionar e o Bolsonaro é uma festa para a câmera”. Seu filme é um esforço de compreensão mais amplo do que o é o “O Processo”. Naquele filme, Maria Augusta Ramos, com mais acesso a personagens que se notabilizaram por compor a linha de defesa de Dilma no Congresso, encampa mais desimpedidamente o ponto de vista do governo deposto. É uma divergência que não escapa a Duarte, que originalmente não pretendia fazer um filme sobre o processo de deposição de Dilma Rousseff.

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Divulgação

Manifestante que fala e posa para o documentário O Muro

“A ideia era fazer um filme sobre o Congresso, mas em dezembro de 2015 ficou muito claro que esse processo seria parte fundamental do filme”. Duarte conta que buscou os sincericidas, em referência às figuras dos então deputados Silvio Costa e Carlos Marun, em busca da “outra sorte” de teatro que eles poderiam oferecer.

O diretor admite angústia com o corte final de seu filme e que “lidar com o ponto final provisório da História” não é fácil. Mesma preocupação vivenciada por Lula Buarque de Hollanda, de “O Muro”. Seu filme busca investigar as origens de uma polarização tão profunda no tecido social brasileiro e vai ouvir as ruas, mas também cientistas políticos, em sua maioria identificados com o pensamento de esquerda. Ele diz que foi tão difícil encontrar pensadores de direita para seu filme como foi encontrar economista que defendesse Dilma.

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Lula acredita que seu filme vai envelhecer bem, “quando não tivermos mais tão ligados à realidade do presente”, mas crê que este processo de ruptura e polarização que vivemos hoje “será mais longo do que deveria”.

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Cena do filme Excelentíssimos

Enquanto “O Processo” assume o ponto de vista da defesa de Dilma no processo e se assevera como um documento histórico sob essa perspectiva, “Excelentíssimos” busca ancorar sua narrativa nas articulações políticas que pavimentaram o processo de impeachment, enquanto “O Muro” tenta compreender os efeitos práticos de uma polarização política tão ruidosa na sociedade. Juntos, os três ofertam um painel valoroso e incrementam o debate histórico e político em curso no País.

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