A quarta temporada de “Black Mirror”, que estreia na Netflix nesta sexta-feira (29), é a mais equilibrada e diversificada do programa. É, ainda, aquela que apresenta o mais alto e refinado nível entre todas as temporadas. A série criada por Charlie Brooker se notabilizou por propor reflexões agudas a respeito de nossa relação com a tecnologia e as questões morais e ética relacionadas aos avanços científicos.
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A antologia britânica sempre foi cult, mas ganhou status pop depois que ganhou o mundo via Netflix, processo semelhante ao sofrido por “Breaking Bad”. A Netflix assumiu a produção de “Black Mirror” a partir de sua terceira temporada que apresentou os brilhantes e premiados episódios “San Junipero” e “White Christmas”, os dois mais bem avaliados pelos fãs do programa em sites agregadores. O quarto ano, porém, deve provocar alterações no topo das preferências dos fãs.
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Os novos episódios promovem debates intensos e agudos. “Arkangel”, dirigido por Jodie Foster é nada menos do que sublime. A trama gira em torno de uma mãe, vivida pela excelente Rosemarie DeWitt, que implanta um chip em sua filha tão logo ela nasce. O tal do projeto Arkangel dá acesso irrestrito aos pais no cuidado dos filhos. É possível ver o que eles veem, monitorar pressão arterial, batimento cardíaco e até mesmo impedir que vejam sangue, pornografia e sintam medo. Um dos temas do episódio, portanto, diz respeito aos efeitos desse supercontrole. Para além das questões morais e éticas implícitas, “Arkangel” provoca um debate sobre os efeitos práticos da escolha dessa mãe e de como isso vai repercutir não só na filha dela, mas na relação entre elas e na percepção de mundo de ambas. A resolução é de tirar o fôlego e as reminiscências de “Arkangel” ficam com o expectador.
“Crocodile”
Dirigido por John Hillcoat, de filmes como “A Estrada” (2009) e “A Proposta” (2005), o episódio estrelado pela ótima Andrea Riseborough mostra um futuro em que seguradoras conseguem fotografar as memórias das pessoas para reconstituir os acidentes. Riseborough faz uma mulher com algo a esconder, mas que se vê impelida a colaborar em uma investigação. O episódio encampa bons temas e a discussão é frontal e pouco polida. A despeito do inegável viés sci-fi, há um bom ritmo de thriller em “Crocodile” . O fatalismo é pesaroso, mas o episódio vislumbra uma maneira estranha de ser otimista.
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“Uss Callister”
Este talvez seja o melhor episódio da melhor temporada da série. É uma sátira divertida de “Star Trek”, um estudo poderoso das perversões da mente humana e um olhar sobre os efeitos patológicos do bullying. Robert Daley (maravilhosamente interpretado por Jesse Plemons) é um sujeito brilhante, mas com pouco tato para vínculos sociais. Ele desenhou um jogo de realidade virtual, mas é seu sócio quem é CEO da empresa. É seu sócio quem é admirado pelos funcionários. A inveja de Daley, que é tratado como lacaio por praticamente todo mundo, é nítida. No entanto, ele criou em seu jogo Infinty, uma versão de Star Trek em que ele é o capitão Daley, um decalque do capitão Kirk de William Shtaner. Peito estufado, topete e confiança são características dessa versão de si mesmo.
Lá, ele aos poucos vai se revelando um tirano e descontando em versões de seus colegas recriadas a partir de coletas de DNA, toda a sua frustração. Dirigido por Toby Haynes, de “Sherlock” e “Doctor Who”, o episódio abre incontáveis possibilidades de reflexão para o espectador e é aquele que mais brilhantemente trabalha alguns dos principais fundamentos de “Black Mirror”: nossa capacidade de perverter avanços científicos e tecnológicos.
“Hang the DJ”
Episódio menos tenso do ano, “Hang the DJ” pode ser descrito como uma reimaginação de “San Junipero”. Aqui, acompanhamos os protagonistas vividos por Georgina Campbell e Joe Cole pulando de romance em romance de acordo com os ditames de um aplicativo de relacionamentos que programa até mesmo o tempo que a relação vai durar. Novamente, questões como acaso e compatibilidade são filtradas pelo olhar que a tecnologia ocupa em nossa vida e o grau de confiabilidade que depositamos nela é posto mais uma vez em xeque.
“Metalhead”
No episódio mais silencioso da temporada, uma explícita homenagem aos grandes filmes pós-apocalípticos como “Mad Max”. Filmado em preto e branco e dirigido por David Slade (“30 Dias de Noite”), o episódio coloca uma mulher fugindo de um droide que tem a forma de uma cabeça de metal e é incrivelmente letal. É o episódio mais fraco do ano, mas ainda assim bastante impactante. Na qualidade de exceção, confirma o excepcional quarto ano de “Black Mirror”.
“Black Museum”
O maior episódio da temporada é um fan service por excelência. Enquanto recarrega a energia de seu carro, uma mulher entra em um museu de crimes cheio de histórias horripilantes. Uma espécie de “Black Mirror” físico e encrostado no deserto. Há histórias como a do médico que a partir de um dispositivo neural podia sentir a dor de seus pacientes e acabou ficando viciado em dor e se comportando como um drogado e da mulher em coma que é transportada para dentro do marido – o que acaba precipitando um divórcio. É um episódio peculiar. Horror e humor são muitíssimo bem conjugados e permitem que o quarto ano de “Black Mirror” se encerre na mais alta escala.