Quando se põe Tropicália em pauta, em geral, fazem menções dizendo que ela não se restringiu à música, mais abarcava outras artes também, como literatura, teatro e artes visuais. Fazer tal afirmação não explica como esses afluentes dialogaram entre si e como isso se deu. O conceito da Tropicália tem duas nascentes distintas – na música e nas artes visuais – entretanto essa relação entre elas durou tão pouco quanto o próprio movimento.
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Nascimento
Falar da ligação entre diferentes formas de arte é quase uma construção pré-fabricada para designar movimentos culturais , afirmando que sua influência é mais larga do que nascer e morrer dentro de seu próprio nicho. É realmente comum que haja essa troca, porém as vanguardas, sobretudo pela velocidade com que surgiam e se dissolviam enfrentavam um problema no momento de realizar tal transposição. No caso da Tropicália esse diálogo torna difícil entender essa limitação.
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Formalmente a Tropicália durou apenas entre 1967 e 1968 e suas principais manifestações aconteceram em festivais de música e no álbum “Tropicália: ou Panis Et Circensis”, porém a origem do termo que a designa veio antes – e, curiosamente, surgiu de um conceito criado pelo artista plástico Hélio Oiticica . Ele ansiava por criar uma estética genuinamente brasileira, com elementos regionais que pudessem resumir nossa cultura sem a contaminação de padrões europeus.
Em um ensaio escrito pelo artista em 1968 ele escreve a respeito “Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente objetiva de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’ ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional”. A obra – uma instalação que lembra um cenário tropical, com areia, pássaros e plantas – foi exposta pela primeira vez em 1967 no MAM do Rio de Janeiro, mas Oiticica, para falar a verdade, não tinha nenhuma ligação com o movimento baiano.
O nome “Tropicália” chegou até o grupo através de terceiros, que sugeriram que Caetano Veloso batizasse sua canção com o nome, pois achavam que se adequava perfeitamente aquilo. Essa seja, talvez, a única ligação que houve entre a música e as artes plásticas: uma coincidência.
Divergências conceituais
Se o ideal de Hélio Oiticica era livrar-se do gosto estrangeiro que a arte nacional tinha naquele momento, o intuito da Tropicália era mais o de fazer uma “Geleia Geral” com tudo que estava em consonância ao redor do mundo. Em seu artigo o artista plástico destaca “creio que a Tropicália [...] veio contribuir fortemente para essa objetivação de uma imagem brasileira total [...] nossa cultura nada tem a ver com a europeia, apesar de estar até hoje a ela submetida”.
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Outros movimentos
O século XX passou a ser marcado por rápidas transformações no cenário cultural e por esse motivo é difícil delimitar até onde um movimento artístico se estende. O próprio Hélio Oiticica, que “inaugurou” o conceito de Tropicália, é rotulado como membro do movimento neoconcreto. O neoconcretismo, em termos estéticos, era diametralmente oposto aquilo que fazia parte do visual chamativo e exuberante do tropicalismo. Largamente inspirado na Bauhaus e no grupo De Stij, os artistas trabalham com elementos geométricos, como, por exemplo, a série “Bichos” de Lygia Clark. Assim sendo, pelo menos quando olhamos para nomes consagrados e movimentos consolidados, não houve de fato arte ligada à Tropicália no que diz respeito à produção visual – inclusive pela ligação que o grupo baiano tinha com a cultura popular e de massas, aspecto que o distanciava dessa produção artística conceituada.