Se você ainda não viu “Dear White People”, série com dez episódios de meia hora cada inspirada no filme independente homônimo de 2014 que está disponível na Netflix desde 28 de abril, pare tudo e comece a maratona o quanto antes. A criação de Julien Simien , diretor e roteirista do filme, é a melhor, mais inteligente e acachapante série do ano até o momento.

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Cena da série da Netflix Dear White People, cujos dez episódios da primeira temporada já estão disponíveis
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Cena da série da Netflix Dear White People, cujos dez episódios da primeira temporada já estão disponíveis

Sátira tenaz, “Dear White People” ataca a noção de uma América pós-racial, espectro surgido na esteira da eleição de Barack Obama, com agudeza e perspicácia. Mas não só. Com inteligência incomum, radiografa a juventude contemporânea, em seus anseios e destemperos, e esmiúça com extremo poder de empatia, mas sem deixar o tom crítico de lado, as engrenagens de um ambiente tão diverso e potencialmente hostil como um campus universitário.

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A série começa imediatamente de onde o filme de 2014 terminou. A figura central ainda é Samantha White, aqui vivida pela excelente Logan Browning, que possui um programa de rádio em que evidencia justamente as tensões raciais que todos desejam ocultar, mas a série adota a perspectiva de diferentes personagens a cada episódio. A estrutura narrativa obedece ao conceito ensejado pelo filme, mas é mais bem oxigenada pelo formato serializado. Os personagens ganham em tridimensionalidade, inclusive o narrador (Giancarlo Esposito, o Gus de “Breaking Bad”) e há maior combustão entre os conflitos dos personagens e o ponto de vista defendido pela série: de que há um racismo institucionalizado e que são legítimas as diferentes abordagens a ele.

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A construção da rivalidade entre Sam e Coco é das coisas mais interessantes do programa

Nesse sentido, uma personagem que ganha força na série é Coco Conners, defendida pela esplêndida Antoinette Robertson. Coco quer acreditar nessa América pós- racial e se ressente do ímpeto belicoso de Sam e Reggie (Marque Richardson). Por isso idealiza uma união pragmática com Troy (Brandon P. Bell, que reprisa seu papel do filme) sem esconder suas aspirações políticas. Ela se sente mais à vontade neste papel do que o próprio Troy, filho do reitor de Winchester (Obba Babatundé).

Ninguém, na verdade, está à vontade nesta comédia muitas vezes incendiária, frequentemente incômoda, mas sempre voraz e satisfatória. Há a coragem de mostrar como o preconceito vira uma commodity e que mesmo minorias atuam neste mercado. A convergência de perspectivas enrobustece a série e a torna muito mais plural e mulfifacetada.

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Dois episódios chamam especial atenção neste sentido. No capítulo V, dedicado a Reggie e dirigido por Barry Jenkins, diretor do vencedor do Oscar “Moonlight”, há uma grande e barulhenta confusão provocada pelo uso da palavra "nigger" em uma festa. O que acontece ali, e a maneira como Jenkins emoldura tudo, movimenta a série dali em diante com repercussão em todos os níveis e em todos os personagens. É um triunfo de roteiro que pode ser também vislumbrado no capítulo VII, dedicado a Gabe (John Patrick Amedori), o namorado branco de Sam. Enfático e problematizante dedicar um capítulo em uma série sobre negros a um branco que namora uma negra que ostenta um discurso antibranco. Um paradoxo, aliás, que a série bem abarca logo em seu começo.

Sam e Gabe: versão moderna e bem desenvolvida de Romeu e Julieta
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Sam e Gabe: versão moderna e bem desenvolvida de Romeu e Julieta

Quanto mais se escrever sobre “Dear White People”, mais elogios serão agregados à série. A potência dramática aliada a um humor caustico faz do programa algo realmente notável em um momento que o entretenimento se empalidece ante tantos debates socialmente relevantes. Não é uma série para negros ou para brancos, mas é uma série sobre ser negro, mas também sobre ser gay, jovem, rico, pobre, a fim de alguém que não é a fim de você, ter ambição na vida, não ter ambição na vida e tantas outras coisas.

“Dear White People” desconstrói privilégios no mesmo compasso que evidencia fissuras em discursos que emprestamos sem nem sequer nos darmos conta. É uma série que não se furta a submeter seus personagens ao escrutínio e que o faz com honestidade desconfortável.

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