O flerte entre cinema e teatro é contumaz e estimulado por grandes peças adaptadas para o cinema e grandes filmes que são reimaginados no teatro. O hypado “La La Land” vai ganhar uma versão na Broadway e a magistral peça "Fences" ganhou o tratamento de cinema pelas mãos de Denzel Washington em “Um Limite Entre Nós”. Isso para ficarmos apenas nas referências do Oscar 2017. “Por Trás do Céu” é a expressão brasileira dessa relação tão prolífera e reverberante.
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Escrito e dirigido por Caio Sóh , “Por Trás do Céu” conta o drama de Aparecida, personagem de Nathalia Dill, e seu sonho de ver de perto o que existe além do seu mundo – seja a cidade, seja o firmamento. No que parece ser um pequeno vilarejo nos confins do sertão nordestino, Aparecida e seu marido Edivaldo, personagem de Emilio Orciollo Netto, veem suas monótonas vidas passarem sem sentido. Indignada com Deus e o diabo, a mulher questiona a existência, a dor e os limites do ser humano.
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“É um filme que confia muito no ator. Depende muito do texto”, observa Nathalia Dill em entrevista exclusiva ao iG . Ela, que atualmente vive as gêmeas Júlia e Lorena em “Rock Story”, novela das 19h da Globo, admite que um filme com a proposta do de Caio Sóh agrava ainda mais a diferença de ritmos entre TV e cinema. Mas comemora a chance de trabalhar com um texto tão rico e um projeto estético tão diferente do que encontramos em nosso cinema. “Não precisa ser tão rígido na linguagem. As linguagens se misturam. O diálogo é muito importante”, analisa a respeito da contundência do texto de Sóh.
A atriz não está sendo modesta. Em “Por trás do Céu” assume uma personagem peculiar, difícil de se construir com isenção. Aparecida é progressista, corajosa e iluminada, mas também é pura, ingênua, traumatizada. Há algumas cenas em que o talento de Dill é posto à prova. Ela precisa tornar crível para um público cínico a inocência da personagem. Há uma cena com Paula Bulamarqui, que faz uma prostituta fugida de seu cafetão que acaba cruzando com Aparecia, muito lúdica que efetiva o ótimo trabalho de Dill. Bulamarqui também está maravilhosa na pele dessa mulher vítima de um universo machista e que replica o discurso que a vitimiza. Nesse sentido, a inocência de Aparecia abaliza nosso olhar. Este é apenas um dos trunfos do filme de Sóh. Há outros.
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Por exemplo, a angústia existencial da personagem, mas também de seu marido Edivaldo é avolumada mesmo que só saibamos de um de seus catalisadores lá pelo final do filme. “O dilema da Aparecia é um dilema muito comum da humanidade”, teoriza a atriz. “A gente não tem certeza do que está por trás do céu e em meio a toda aquela miséria a raiva da personagem com a frase ‘Só pode estar rindo da gente’ me parece legítima”. Nathalia Dill, tal qual em uma peça, tem seus monólogos. Aparecia, que tem nome de santa, volta-se para o céu e esbraveja com Deus. Como se a própria existência fosse um grande teatro. “É muito interessante porque a personagem é múltipla, ela tem dúvida, curiosidade, interesse...”, derrete-se Dill.
Já em cartaz nos cinemas brasileiros, “Por Trás do Céu” é um filme para quem gosta das filosofias da vida, de atores testando seus limites e de uma experiência estética incomum no cinema.