Há vespeiros em que não se mexe. Por muito tempo Danny Boyle evitou em mexer em um dos maiores que a cultura pop ostentou a partir de meados da última década do século XX. Cult instantâneo, “Trainspotting” é daqueles filmes que envelhece bem, arregimenta defensores e intelectuais e merece ser deixado em paz. Mas Irvine Welsh , autor do romance que originou o filme de 1996, publicou outros livros que davam margem para a inquietação: vale a pena voltar a esse universo?
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A pergunta que todo fã tem medo de responder, é muitíssimo bem abalizada em “T2 Trainspotting ”, que estreia nesta semana nos cinemas brasileiros. Baseado em “Pornô”, livro que Welsh lançou em 2002, o novo filme respeita o legado do original e é honesto com os personagens. Sem deixar, é claro, de carregar no cinismo e deboche que tão bem adornaram o original.
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A primeira cena do filme vemos Renton (Ewan McGregor) correndo em uma esteira em uma academia. A aparência levemente roliça contrasta com a magreza doentia da última vez que pousamos os olhos sobre ele. Mas um súbito tombo realinha os parâmetros. Depois é a vez de reencontramos Franco Begbie (Robert Carlyle), preso e tentando liberdade condicional. Sick Boy (Johnny Lee Miller), que está atendendo por Simon, está apaixonado pela garota de programa búlgara Veronika (Anjela Nedyalkova) e vive de pequenos golpes e chantagens, além de abastecer seu vício em cocaína. Já Spud (Ewen Bremner) encontramos em meio a uma reunião do narcóticos anônimos reclamando de como o horário de verão pode atrapalhar a vida de um viciado em recuperação.
Os personagens não estão muito diferentes de quando os deixamos. Só estão mais velhos. Em um primeiro momento, “T2” é sobre envelhecer e sobre como envelhecer e lidar com esse apanhado de frustrações que a gente vai acumulando na vida.
“Escolha a vida”
Os monólogos de Renton, um dos puxadores dramáticos do primeiro filme, surgem em menor escala aqui, mas o personagem ainda é o grande eixo gravitacional deste universo e, é claro, há um monólogo que atualiza o defendido por Renton no filme de 96. A cena, que parece pensada para derrubar fachadas morais, ocorre em um restaurante para uma Veronika cada vez mais interessada por ele e escancara que mesmo refugiado em uma poça de cinismo, Renton está perdido.
Renton retorna a Edimburgo motivado por uma tragédia familiar e acaba reencontrando os amigos que ele passou a perna no fim do primeiro filme. É claro que essas reminiscências vão ser abordadas em um primeiro momento.
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O texto desta sequência é de John Hodge, que também escreveu o original e costuma assinar os roteiros dos filmes de Boyle, e é brilhante em mostrar a ação do tempo. Tanto sobre os personagens, como sobre essa Edimburgo que se tornou cosmopolita. Spud, a princípio é tratado como um alívio cômico, mas o personagem vai ganhando musculatura dramática e acaba agraciado com um dos arcos mais lisonjeiros e dramaticamente satisfatórios do filme. É uma virada e tanto a que o personagem é submetido. Sick Boy e Renton têm suas trajetórias irmanadas de uma forma que os permite finalmente amadurecer (ou não). E Begbie ganha em tridimensionalidade em relação ao primeiro filme, embora o espectador possa pensar na maior parte do tempo ser um personagem de uma nota só.
O elenco está afiadíssimo e a direção de Boyle, embora emule o primeiro filme a todo o tempo, da valorização constante da trilha sonora à linguagem videoclipada, é certeira na gravidade que dá às cenas e à narrativa como um todo.
“T2 Trainspotting” talvez privilegie mais o humor. Já havia comédia no original, mas com os personagens na faixa dos 40 anos faz sentido ceder a essa opção. O humor, no entanto, não drena a melancolia de quem finalmente escolhe a vida. É essa perspicácia que faz com que esse filme ganhe tanto sentido e agigante o legado da obra original.