É interessante como, diferentemente de décadas passadas – quando a maioria dos diretores indicados ao Oscar eram sempre aqueles com uma grande reputação – a edição deste ano da premiação deu preferência para novos cineastas (incluindo Barry Jenkins que compete com seu primeiro filme com "Moonlight: Sob a Luz do Luar"). Basta lembrar que Alfred Hitchcock, um dos mais importantes diretores de todos os tempos, nunca ganhou um prêmio da Academia, para entender que o Oscar de 2017 apresenta mudanças profundas. Tais transformações não representam apenas o favoritismo por nomes novos e com potencialidade, mas também mostram as realidades de um mercado cinematográfico que enfrenta dificuldades financeiras frente a um ambiente muito competitivo em relação a diversas formas de entretenimento.

No Oscar 2017, o diretor Barry Jenkins é um dos grandes destaques por seu filme
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No Oscar 2017, o diretor Barry Jenkins é um dos grandes destaques por seu filme "Moonlight: Sob A Luz do Luar"


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Esta não é a primeira vez em que esses aspectos mudaram o mercado cinematográfico. Em 1950, a popularidade da televisão havia diminuído a quantidade de espectadores da sétima arte. Porém, percebendo que telas maiores conseguiam manter o número de cinéfilos, o estúdio Twentieth Century-Fox investiu na criação de um novo formato, o Cinemascope. Tratava-se de telas quase duas vezes mais largas do que no passado. Estes telões, que influenciaram fortemente o que conhecemos hoje, conseguiram manter o sucesso do cinema.

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Porém, com a Internet, tudo isso muda de figura. Ela atingiu o mercado cinematográfico de diversas maneiras. Para começar, ficou mais fácil o consumo pirata de filmes, impedindo que os estúdios esperem muito para lançar produções em DVD, na televisão ou ainda em serviços de streaming. Por outro lado, o público, já acostumado com o tamanho da TV, computador ou do celular, passou a curtir filmes em casa, no trabalho ou no trânsito, ou seja, longe do cinema tradicional. Aproveitando-se deste novo tipo de espectador, redes televisivas, incluindo aquelas por assinatura como HBO, e provedores de serviço streaming, como Netflix, investiram na criação de conteúdo, alcançando grande sucesso. É dentro deste contexto que o mercado se encontra neste momento, e é isto que possibilitou a indicação de novas figuras para o Oscar.

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Atualmente, com um público frequentador do cinema tradicional reduzido, grandes estúdios passaram a ter aversão em arriscar. Fórmulas de sucesso do passado começaram a ser usadas constantemente, incluindo a produção de inúmeros remakes, enquanto histórias novas foram arquivadas. Por outro lado, com o sucesso financeiro da televisão e do streaming, cineastas e atores começaram a migrar para estas mídias, que deu espaço para novas figuras no cinema. Este campo possibilitou o risco, permitindo a criação de histórias novas e criativas, tanto em seriados como em filmes. Isto gerou um público novo e cativo que desejava entreter-se de diferentes maneiras e fugir de coisas batidas e tradicionais. Ao mesmo tempo, o barateamento da produção cinematográfica, especialmente por conta do que é conhecido como revolução digital, possibilitou cineastas mais novos a dirigirem filmes sem precisar de um orçamento milionário de um estúdio já estabelecido.

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De "Whiplash", Damien Chazelle retorna às indicações do Oscar este ano como diretor

Festivais e premiações como o Oscar dão valor a filmes diferentes e originais, especialmente quando os mesmos tem o potencial de competir tanto na mídia tradicional como no streaming. Consequentemente, o Oscar acaba apostando fortemente em cineastas novos que, diferentemente dos longas de estúdios tradicionais, criam produções com certo risco mas que concorrem bem em todas estas mídias.

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"Moonlight", do Barry Jenkins, explora a vida de um homem Afro-americano gay. "La La Land", do Damien Chazelle, é um musical influenciado por estilos já inexistes como "Cantando na Chuva". O filme de Denis Villeneuve, "A Chegada", mostra alienígenas que ao invés de declarar guerra contra os humanos, presenteiam-nos com uma nova linguagem. "Manchester à Beira-Mar", do Kenneth Lonergan, fala sobre um pai que, por ser viciado em drogas, causa a morte de seus próprios filhos. Todas estas narrativas têm tom e estilo inovador e que seriam dificilmente encontradas no portfólio de um diretor já estabelecido. Para entender esta nova realidade, basta ver como Chazelle demorou para conseguir convencer estúdios do possível sucesso de seu filme, que agora é um dos favoritos para ganhar o Oscar,

A exceção da regra é o filme de Mel Gibson, "Até o Último Homem", que conta a história de um soldado que, por ser cristão adventista, não usa armas quando vai para a Segunda Guerra Mundial.  

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Mel Gibson conseguiu emplacar "Até o Último Homem" na lista de indicados a Melhor Filme

Porém, tal exceção vira regra quando consideramos a história de Mel Gibson e o ambiente cultural e politico atual. Há 10 anos atrás, ele era uma personalidade exilada por conta de seus comentários preconceituosos enquanto estava intoxicado. O fato de ter supostamente ameaçado sua mulher na época somente piorou a situação. No clima de desconfiança mundial atual, um filme que preza a vida e fala contra a crueldade, feito por alguém que no passado parecia ser o epítome da violência, dá algo parecido com o que "La La Land" deu aos espectadores: esperança. Em busca de algo novo, a figura de Gibson, aliada à um filme que valoriza a vida, provê este algo a mais que o Oscar e o público vem procurando. Mel Gibson conquistou aplausos em diversos festivais, abrindo caminho para sua aceitação no Oscar com um filme que, em meio a guerra, uma pessoa sozinha consegue mostrar a força da esperança.

Claro, é preciso lembrar que diferente de um festival, o Oscar é composto por milhares de membros, onde a maioria vota. Mesmo que nos últimos anos a Academia tentou impedir aqueles que não estejam mais trabalhando votem, com o intuito de dar mais voz aos novos integrantes, não é possível caracterizar a premiação de maneira homogenia. Sendo assim, cada um dos votantes possui opiniões próprias, muitas vezes influenciadas pelo clima politico e cultural de uma determinada época. Logo, é difícil saber se tal preferência pelo filme de um diretor novo e, porque não, pelo filme independente, continuará nos próximos anos. Porém, a competitividade da indústria cinematográfica e a falta de vontade de arriscar por parte dos estúdios parece apontar para esta direção.

*Daniel Bydlowski é um cineasta brasileiro, que atualmente mora em Los Angeles, e em breve vai lançar o longa-metragem realidade virtual em 3D "NanoÉden".

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