Antonio Pitanga foi homenageado na segunda edição do Festival de Cinema de Vassouras (RJ)
Mark Saglia/Divulgação
Antonio Pitanga foi homenageado na segunda edição do Festival de Cinema de Vassouras (RJ)


Antonio Pitanga é o grande homenageado do Festival de Cinema de Vassouras, no Vale do Café no Rio de Janeiro, e na sexta-feira (16) foi homenageado com o trofèu Paulo José pelo conjunto de sua obra nas telas em mais de seis décadas. Em conversa com a coluna, ele falou que ainda hoje há muita resistência para ver pessoas pretas em lugares de prestígio no audiovisual.


"No meu tempo, o som do chicote, quando éramos levados ao tronco, nas nossas peles a dor explodia, e gritava, e saía através da dor um monte de sangue. Hoje a gente vive a dor do silêncio. E essa dor do silêncio, vocês estão realmente entendendo e discutindo qual é essa nova proposta desse novo mundo. A dor hoje é do silêncio, da invisibilidade, do preconceito, da perseguição", disse o veterano.

O ator celebra toda a discussão que há em torno da inclusão de mais pessoas pretas nas telas, principalmente em papéis antes direcionados a pessoas brancas, tirando os negros das funções de serviçais ou de postos de menos prestígio. Mas ainda questiona a quase nula diversidade no núcleo que define os rumos do cinema no país.

"Se você me pergunta a equidade, eu vou te dizer que nós, atores e atrizes, na década de 1950, tínhamos no Brasil 60 milhões de habitantes. E nós tínhamos, proporcionalmente, que não fechava a conta, algumas atrizes e alguns atores que a gente contava nos dedos. Hoje, décadas depois, valeu a pena, mesmo a conta ainda não fechando. Porque hoje você não conta nos dedos. Hoje você vê um percentual significativo. Porque, proporcionalmente, hoje temos 216 milhões de habitantes. Se nós, negros, somos 54% da população. Evidentemente que nas áreas de decisões estratégicas, você não encontra preta e nenhum preto. Mas este movimento ainda está de pé", avaliou.

Quase centenário

O Festival de Cinema de Vassouras teve sua programação inaugurada com a exibição do documentário Pitanga, de 2017, feito por Camila Pitanga em parceria com Beto Brant, um filme sensível que explora a genialidade e grandeza de seu protagonista, Antonio Pitanga. Com 84 anos recém-completos, ele brinca com a questão da idade e afirma não ter a menor vontade de parar.

"Me dá luz quando eu olho nos olhos de cada um de vocês com essa nova visão, com essa nova narrativa, me faz dizer: 'Eu não tenho 84 anos, eu tenho 17 anos para chegar a 100', porque eu estou dialogando com vocês, com as minhas netas, com as bisnetas. Essa linguagem é maravilhosa. Não é do cartão. Ela é além do cartão, ela é alma que grita no meu tempo", disse.

A maior prova disso é que ele deu um passo além de sua carreira no audiovisual e se colocou por trás das câmeras, na função de diretor do longa Malês, que conta com a produção de Flávio R. Tambellini. A estreia deve rolar somente no próximo ano, provavelmente no Festival de Cannes.

"Eu não sou daquelas pessoas que chegam a idade e trabalham com um processo de dizer 'no meu tempo era assim'. Eu acho que esse movimento que está acontecendo no mundo não é diferente. Me faz crer e me entender que valeu a pena esse somatório de conquistas e que a gente se vê dentro de uma nova narrativa. O cinema de hoje é um cinema digital. Então essa coisa é muito maior. Estou dentro de um processo, e como dizia o Jamelão, 'que nem pinto no lixo', porque eu estou vendo essa garotada dessas décadas jovens, e eu estou mergulhando e dialogando com elas, interagindo com ela nesse novo mundo de digital", comentou.

*A coluna viajou a Vassouras (RJ) a convite da organização do Festival de Cinema

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