Se um dia o Big Brother Brasil já foi um programa de entretenimento, atualmente ele é um ativador de gatilhos. Somente nesta temporada, fomos contemplados com machismo (clássico em todas as edições), ameaças de agressão de um homem a uma mulher, importunação sexual e racismo religioso. Houve intervenções imediatas nestes casos. Mas há uma outra pauta que a Globo parece fazer vistas grossas e vem se omitindo publicamente diante de um mar de reclamações: a prática do racismo recreativo.
Primeiramente é importante explicar o termo: segundo Adilson Moreira, advogado e doutor em Ciências Jurídicas pela renomada Harvard University, racismo recreativo ocorre quando estereótipos negativos de minorias raciais são tratados de maneira jocosa, disfarçando o preconceito racial por humor.
No BBB 23, vimos um homem preto ser xingado por uma mulher branca de "urubu de luto". Em outro momento, uma mulher negra que vestia um biquíni azul foi apelidada por uma pessoa branca, em tom de humor, de "urublue". Para finalizar, esta mesma "piadista" branca compôs uma música, na qual sugeria que sua rival, preta retinta, comesse uma banana, gerando revolta na comunidade negra.
A Globo assistiu a tudo isso calada. Não mostrou em sua edição ao vivo, presente em todas as noites de sua programação, a maior parte destas cenas, que proliferaram nas redes sociais graças ao acompanhamento 24 horas pelo serviço de streaming. A emissora viu isso acontecer e se calou. Deixou o "humor" da pessoa branca prevalecer e não moveu uma palha para se posicionar.
A omissão é tamanha que quando estas pessoas brancas figuraram no paredão e receberam "avaliações" do apresentador Tadeu Schmidt, acabaram elogiadas com termos como "sem papas na língua", "fala tudo o que pensa", "emoção pura" ou "sem filtro". É uma passada de pano explícita. E tudo isso tem sido visto com atenção pela audiência.
Na noite de ontem (12), mais um episódio lastimável ocorreu no BBB23: uma mulher branca e loira, visivelmente descontrolada, apontou o dedo na cara de um homem preto e proferiu diversas ofensas aos berros. O rapaz tentou argumentar, mas foi encurralado por outras mulheres brancas, e ainda ouviu acusações descabidas sobre sua postura.
O silenciamento preto no reality é outra pauta que vem sendo discutida pelo público nas redes sociais, e constantemente a Globo é cobrada por uma intervenção, mas a emissora parece não estar disposta a dar ouvidos a isso.
Este colunista que vos escreve é branco, mas um aliado na luta antirracista. Ciente de todo o privilégio que carrego, o mínimo que posso fazer é usar este espaço para cobrar publicamente a Globo por um posicionamento diante de sua omissão em torno do racismo recreativo praticado dentro de seu programa mais lucrativo, que já lhe rendeu mais de R$ 1 bilhão somente neste ano.
Procurei a emissora para pedir um posicionamento e também questionei se haverá alguma intervenção via Tadeu Schmidt na dinâmica da casa para cessar esta prática, mas até o momento não recebi nenhuma resposta. O texto será atualizado caso a Globo se manifeste.