O cinema de Olivier Assayas costuma ter a preocupação de capturar conflitos geracionais de maneira muito orgânica. Foi assim em “Depois de Maio” (2012) e “Acima das Nuvens” (2014) e é assim também em “Vidas Duplas”, que integrou a programação do Festival de Veneza em 2018 e já está em cartaz nos cinemas brasileiros.
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“Vidas Duplas”, que reedita a parceria do cineasta com Juliette Binoche , que também esteve em “Horas de Verão” (2008), versa sobre a transformação no consumo de cultura, mais detidamente de livros, promovida pelo advento da internet.
Guillaume Canet vive esse publisher que tenta trazer sua editora para o século XXI e contrata uma consultoria para isso. Enquanto isso, descarta o novo material de um de seus principais autores, um entusiasta da autoficção, que encampa outra das boas discussões aventadas pela obra. A moral e os limites dessa vertente literária e suas conotações em um ambiente de pós-verdade, cujos códigos os personagens, principalmente os masculinos, falham em decifrar.
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Muito falado, o longa articula muitas ideias que não necessariamente são esgotadas, mas ficam com o espectador como reboque das próprias elaborações.
Desenvolvido como uma comédia – há uma ciranda amorosa a adornar a crise de meia-idade dos personagens principais -, “Vidas Duplas” é perturbador pelos debates que enseja sobre a maneira como nossa sociedade atualmente se relaciona com a cultura. Não estranha, nesse contexto, que Assayas se desinteresse pelos objetivos de Alain (Canet), ele mesmo preso a uma lógica comercial que expressa os perigos e desestímulos da mercantilização da arte, e observe com demasia o papel que sua esposa, vivida com a graciosidade que é característica de Binoche, desempenha para que ele publique o livro de Leònard (Vincent Macaigne), o autor refém da autoficção e que é seu amante há seis anos.
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É dessa bolha de tensões que “Vida Duplas” organiza um painel irresoluto e complexo sobre os desafios postos para a sociedade contemporânea tanto no foro mais íntimo, como em uma escala cultural.