Aline Borges sente que Zuleica foi um presente em "Pantanal". A atriz, que chegou no meio da trama para interpretar a segunda esposa de Tenório (Murilo Benício), avalia que o fim da personagem na novela da Globo honra a representação de "tantas e tantas mulheres pretas no Brasil".
Em conversa com o iG Gente, a atriz pontua que a trajetória da personagem foi "muito digna e muito bonita". "Ela passou por muita coisa, por muito sofrimento e provações, mas sempre se manteve na linha, muito digna nos conceitos. Ela não soltou a mão de Maria, mostrou que é uma mulher com sororidade e empatia", pontua.
Para ela, muitas mulheres vão se sentir representadas pelo final de Zuleica, que foi ao ar na noite desta sexta-feira (7). "Sinto que consegui entregar uma boa história de acordo com o feedback do público, que me manda mensagens todos os dias me agradecendo pela maneira que dei vida a essa mulher", agradece.
Tanto que Aline conta que recebeu diversas mensagens de mulheres que decidiram denunciar assédios e violências graças a Zuleica. Na novela, a personagem é vítima de estupro e gera Marcelo (Lucas Leto), além de sofrer violências e abusos por parte de Tenório.
"Recebi mensagens de mulheres se compadecendo e outras que nunca tiveram coragem de denunciar, mas que a novela, aquela cena dela revelando, mexeu nas dores delas e que fez com que elas tivessem coragem de rever, analisar com outros olhos", afirma.
Ela se diz surpresa pela quantidade de mensagens que recebeu nas redes sociais sobre o assunto. "Não esperava, foram tantas e tantas, que ainda não consegui ler tudo. Vou lendo devagar, isso é material, é história, é importante ler, ouvir e reter, para entendermos o mundo. E, para mim, o parâmetro atual é que precisamos caminhar muito na luta antirracista, como lutamos contra o machismo, contra a homofobia, infelizmente", lamenta.
A atriz também faz um apelo para o público que assistiu Zuleica e se sentiu representado pela dor da personagem. "Precisamos falar sobre isso. Se escondermos, pesa. A gente só se cura disso quando fala. Seja lá quando, espero que as mulheres que tenham assistido à novela tenham coragem de falar, mesmo que tenha passado muito tempo. É preciso botar para fora, não dá para guardar uma monstruosidade dessa sozinha".
Para Aline, a cena em que Roberto (Cauê Campos) morre foi a mais difícil. Ela, durante a entrevista, até se emociona ao imaginar passar pela mesma situação que Zuleica com a filha e o enteado. "A morte do meu filho foi bem difícil de fazer, pelo teor né? Pelo sofrimento, de imaginar a dor dessa mãe", diz.
E a cena mais complicada pelo olhar técnico? Aline elenca o plano sequência em que todos procuram Tenório no mesmo ritmo e falando o texto. "A gente ia passando pelos cômodos, passando o texto, não podíamos passar um por cima do outro, deu muito errado, rimos muito, mas, no fim, deu tudo certo. Lembro com carinho dessa cena", brinca.
"Zuleica foi se embruacando"
Aline analisa que Zuleica se tornou a nova 'Bruaca' de Tenório em "Pantanal". Para ela, a personagem foi perdendo a própria identidade após sair de São Paulo. "Ela perde em busca da harmonia da família, de não romper os laços familiares. Ela manteve os casamentos, os segredos, foi perdendo a identidade e se 'embruacando'", indica.
Ao avaliar a trajetória de Zuleica, Aline classifica a história com a frase "o sofrimento engrandece o espírito". "Não valorizo o sofrimento, mas ele faz a gente se aprumar, é um choque de realidade", afirma.
"Ela fez escolhas não tão felizes que levaram ela a acolher esses frutos no caminho, esses frutos não tão saborosos, mas acho que são resultados de escolhas, né? É o universo. É isso: a gente vai plantando, semeando e depois a gente colhe", pondera.
Mas em "Pantanal", Zuleica teve uma reviravolta, apesar de todo sofrimento pela morte do filho e de Tenório. "É muito bonito esse caminho, passou por dores muito profundas, retorna para o eixo, as raízes dela. Ela encontra a força interna e se torna sócia do homem mais poderoso do pantanal, isso é muita coisa", pontua.
"Questão racial poderia ser aprofundada"
Diferentemente da versão de 1990, a família de Zuleica é negra, uma mudança do autor, Bruno Luperi, pela representatividade na televisão. Para ela, é importante ter uma família negra nas telas, mas o racismo e outros temas poderiam ter sido aprofundados.
"Nessa novela falamos de racismo, homofobia, assédio, para mim são pontos importantes e relevantes para a transformação da sociedade, todos poderiam ser aprofundados. Não teve espaço para isso, por ser uma obra já existente, mas sinto que foi do jeito que tinha que ser", pontua.
Para Aline, é importante ter uma família como a de Zuleica em "Pantanal" e em novelas do horário nobre da Globo. "Para mais da metade da nossa população brasileira, sendo de pessoas pretas, se ver representado na televisão é de suma importância. A gente só entende que a gente pertence ao espaço se a gente se vê nele", analisa.
"Precisamos que as pessoas de poder sejam pretas"
Apesar da representatividade negra em frente às telas, ela concorda com Gabriel Santana, que pontuou em entrevista ao iG Gente que é preciso ter mais pretos nos bastidores das produções.
"Na nossa equipe até temos bastantes pessoas pretas, sim, mas penso que precisamos não só da representatividade na TV, mas também das detentoras do poder, da caneta que assina contratos, para que a contratação seja mais diversa", pontua.
Para ela, é preciso diretores, autores e contratantes pretos. Apesar disso, ela sente que a Globo está se movimentando para ter maior diversidade. "O mundo muda e pede essa consciência. Quem não se alinha nessa transformação, fica para trás. Temos até uma primeira diretora preta, em 'Cara e Coragem', então, as coisas estão se abrindo e é importante entendermos que o mundo pede por isso", analisa.