Xuxa Meneghel e Ikaro Kadoshi estavam na estrada há três meses, numa batida intensa de viagens pelo Brasil, e, numa quarta-feira, dia 22 de junho, finalmente vislumbravam a linha de chegada. Que não chegaria sem antes filmar no Rio, por quase 12 horas, a última participação na “Caravana das drags”, reality show do Prime Video com estreia prevista para o ano que vem. No programa, dez drags queens de diferentes regiões do país competem pelo título de Soberana da Caravana, ou seja, aquela que melhor dançou, cantou, se maquiou, costurou, “bateu cabelo” e encantou jurados famosos (a maioria é segredo da produção, menos Juliette, cuja participação foi descoberta pelos fãs, os “cactos”).
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Entregar tudo isso deixou a adrenalina das competidoras a mil e, por incrível que pareça, também a de Xuxa. Mesmo com mais de 40 anos de carreira.
— A gente tem muito medo de errar. Falo por mim: eu grudei no Ikaro — contava a apresentadora no camarim, enquanto recebia uma maquiagem leve (sombra berinjela com um toque de brilho, cílios postiços discretos e gloss incolor) se comparada à de outros episódios de montação.
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De todas as partes
Grudada também em sua yorkshire Doralice — que faz parte do elenco —, Xuxa e toda a turma passaram por Goiânia, Diamantina, Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís, Belém e Rio. Além de entreter, a ideia do programa, criado por Tatiana Issa, diretora do premiado documentário “Dzi Croquettes”, é mostrar o Brasil por meio da arte drag. Por isso, os challenges (desafios a serem cumpridos) remetem a algum aspecto cultural da cidade em que se passa o episódio. Mas Xuxa acredita que a audiência também vai entender os regionalismos dessa expressão artística.
— Culturalmente, nosso país é muito diverso em todos os sentidos. Imagina se não seria também na arte drag?
Envolvida na “Caravana das drags” há um ano e meio, Xuxa pouco pôde falar quando surgiram os boatos, em meados do ano passado, de que ela apresentaria a versão brasileira do “RuPaul Drag Race”, reality mais famoso do tema, já em sua 14ª temporada. Apresentado pela drag queen americana Ru Paul, conhecida como a “mãe das drags”, o programa tem uma legião de fãs no mundo inteiro. Na época, houve quem criticasse a possível escolha de Xuxa para uma posição de comando na versão nacional no lugar de uma drag.
—Acho que aquele barulho foi falta de entendimento — diz ela.
A apresentadora relembra um caso específico de sua carreira para ilustrar que uma mulher pode, sim, ser uma drag. Conta ter feito uma foto para uma revista, toda montada, e um amigo ter lhe falado sobre as restrições que alguns pregam:
—Liguei para o Ícaro, e ele falou: “Meu amor, mulher pode ser drag. É uma arte.” Aí levantei a cabeça.
Ikaro explica que, de fato, há uma certa confusão e tenta saná-la.
— As pessoas não entendem que drag queen nunca foi sobre sexo ou sexualidade, raça, idade, etnia. É sobre arte, e arte é para tudo e todos — diz o ator e apresentador. — Drag vem dos signos e símbolos do feminino. E quando se diz que uma mulher, doadora desses símbolos e signos, não pode fazer drag, para mim, é um crime. É negar aquelas que nos ensinaram a fazer o que a gente faz.
Sonho realizado
Natural de São José dos Campos, Ikaro trabalha como drag desde 2000. Já comandou o reality “Drag me as a queen”, do Canal E!, e foi a primeira a apresentar o Miss Universo na TV brasileira, em 2021. Agora, realiza um sonho ao dividir a apresentação do programa com Xuxa.
— Tive uma infância recheada de violência doméstica, e ela era a única parte boa — diz o artista.
Depoimentos como o de Ikaro aparecem aos montes no dia a dia de Xuxa. Ela diz receber carinho de “todas as letras” do espectro LGBTQIAP+ e acha que essa identificação acontece por causa da filosofia incutida em seus programas infantis.
— Sempre falei para sonhar, para liberar, pintar o mundo com as cores do arco-íris. Então, ouço muitas pessoas dizendo: “Sou quem eu sou porque você me ajudou” — diz Xuxa.
Apesar de o programa ter sido criado para o entretenimento, ela acredita que não há como dissociar o tema da política neste momento.
— É para ser leve, mas eu levanto essa bandeira, porque, por meio da alegria e da arte, as pessoas podem receber mais respeito — diz Xuxa. — Politicamente falando, parece que as pessoas saíram do armário com suas armas.