Violeta cuida do marido com transtorno mental e se apaixona
Reprodução/Globo 29.04.2022
Violeta cuida do marido com transtorno mental e se apaixona


Violeta, personagem de Malu Galli na novela "Além da Ilusão", da TV Globo, é uma mulher repleta de responsabilidades. Além de cuidar da empresa da família, ela também enfrenta o desafio de cuidar do marido que sofre com esquizofrenia, Matias, personagem interpretado por Antônio Calloni. 

Na obra, que retrata a realidade dos anos 40, Matias não tem um diagnóstico bem definido e sofre com crises da doença. Violeta, então, se apaixona por Eugênio, personagem de Marcello Novaes, e, em determinadas cenas, se considera uma "viúva de marido vivo", por perder o marido que tanto amava para a doença psiquiátrica .

Mas como a Globo retrata a vida de uma mulher que se sente solitária, mesmo casada? O iG Gente conversou com psicólogas para entender se a emissora faz uma boa representação da situação. 


No caso de Violeta, a psicóloga Maria Rafart diz que a personagem é colocada no papel de 'cuidadora', que traz uma obrigação moral de ajudar e cuidar, mas isto gera um conflito com o papel de mulher. "Um contrapõe ao outro: 'que casamento é este que estou vivendo onde somente estou para amparar, e não sou amparada?' Isto afeta vários setores da vida de uma mulher e implica em que ela recolha as próprias vontades e desejos para seguir cumprindo o papel de cuidadora", afirma. 

Para Monica Machado, psicóloga pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, Violeta sofre de carência afetiva. "Uma das partes fica sem receber nada e se torna uma relação unilateral, sendo que a pessoa com maior consciência à realidade sente a carência e pode ser um gatilho para se aproximar de alguém para elevar a autoestima, que afeta toda a vida no âmbito psicológico", comenta. 



Segundo Monica, a realidade de Violeta é a falta do homem como companheiro. "Do afeto com a cumplicidade diária e a dura rotina com obrigações e cuidados dispensados a uma pessoa. De alguma forma, é um luto, pois o marido, do modo como era, não existe mais", pontua.

Maria afirma que estar com o cônjuge e não estar de forma romântica significa que os papéis foram ressignificados. "Ela pode estar desempenhando o papel de mãe dele, por exemplo. Quando os papéis mudam desse jeito, chamamos em Psicologia de disfuncionalidade: a função dos cônjuges muda. Ele é o filho, e ela, a mãe", afirma. Para a psicóloga, esta é a razão para que Violeta abra o coração para outra relação e se apaixone por Eugênio.

A traição no relacionamento de Violeta acontece não só por uma paixão. Maria acredita que podem existir outros motivos para ela ser infiel ao casamento. "Dizemos que é uma traição 'das partes altas', pois o que está em jogo é a comunhão de pensamentos, mais até do que a intimidade sexual", comenta. 

Monica afirma que Violeta pode não ter pensado em buscar alguém, mas que ela ficou vulnerável para agir desta maneira. "A carência e a solidão a tornam mais suscetível às situações de apego, aumentando as chances de criar vínculos afetivos", aponta. 

Na obra, a personagem de Malu Galli não quer abandonar Matias em um hospital psiquiátrico, mesmo aconselhada pela irmã, Heloísa, interpretada por Paloma Duarte. A razão, para Maria, não é o amor romântico, que não existe mais ali. A psicóloga analisa que a empatia é um dos motivos para Violeta manter o casamento com Matias. 

"Ser companheiro vem do latim, 'cum panis', que quer dizer 'com o pão'. Um casal reparte o pão até quando ele está ázimo. A empatia está na base das emoções que fazem o ser humano ser gregário, ajudar mutualmente e sobreviver", afirma.


A novela "Além da Ilusão" retrata uma situação da vida real, em que pessoas cuidam dos cônjuges, mesmo perdendo o amor. Para Monica, a situação é uma escolha. "Nesse caso, são pessoas que buscam uma importância na vida do outro indivíduo a ponto de se doar sem nada receber de afeto para receber o valor devido", avalia e completa, dizendo que pessoas como Violeta "vivem um eterno luto". 

Para Maria, a Globo faz uma boa escolha ao retratar a vida de uma mulher casada com um homem que perdeu a independência pelo transtorno mental. "A obra pode, sim, ser muito útil a quem se encontre em situação parecida. Principalmente no terreno da culpa: ela é algo que muitas pessoas carregam, mas não têm a coragem para dividir ou buscar ajuda", comenta.

Monica também concorda com a escolha da emissora de retratar a situação de Violeta na obra. "Acredito em qualquer gênero que se deva buscar viver de forma feliz em busca da realização de seus desejos", pondera. 

Maria opina e diz que, temas como este, "sobre ética, moral e doença mental, tratados num veículo gigante como a televisão aberta, sempre impactam positivamente". A psicóloga também se coloca no lugar de Violeta ao imaginar o que faria caso estivesse em um dilema como o da personagem. 

"Ela teria que se propor a responder várias perguntas: 'Até que ponto esta escolha para ela depende somente do julgamento alheio? Ela acredita que ele estaria bem cuidado numa instituição? Ela sente culpa por estar numa condição mentalmente mais saudável que o marido? Ela acredita que tem o dever de estar com ele até o fim?'", questiona e finaliza. 

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