Enquanto Alanis Guillen conversava com a reportagem do GLOBO via Zoom, a calmaria da paisagem verde na qual a atriz se encontrava era cortada apenas pelo som dos pássaros e do vento. A paz daquela manhã de quinta-feira combinava com a doçura de Alanis, que está de volta à região no Mato Grosso do Sul para as gravações de “Pantanal”. Na vida real, ela se mostra delicada. Na ficção, é brava e vira onça.
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— Aqui, o silêncio é cheio de barulhos — observa a protagonista da novela, em meio à natureza deslumbrante que serve de cenário para a produção.
Sua participação no remake, exibido no horário nobre da TV Globo, é sucesso de público e crítica, e vem dando o que falar. Basta entrar nas redes sociais e rolar o feed para ter uma noção do “barulho” da personagem Juma. Na última semana, as cenas da moça convivendo no Rio de Janeiro com a família de Jove (Jesuíta Barbosa), seu par romântico, renderam muitos memes. Ela se assustou com a água do chuveiro que “cuspiu fogo” e nadou pelada na piscina — que inicialmente chamou de lagoa.
A química da dupla, aliás, tem sido alvo de elogios. No início das gravações, surgiram até rumores de um possível relacionamento, o que foi negado por ambos.
— A gente foi desenvolvendo uma amizade de muita admiração — conta Alanis, de 23 anos. — Eu já admirava o artista que é, e sonhava mesmo em um dia trabalhar com ele. A gente se conecta num silêncio, numa intimidade que é muito bonita. Nunca nem falei isso pra ele, mas a gente se tem num mistério. Às vezes, só de se olhar a gente se sente, se conecta, se sabe, se fala sem falar. Por isso que fica muito rico. A gente no set é “faça o que quiser de mim, que eu faço o que quiser de você”.
Jesuíta também não economiza elogios ao descrevê-la:
— Alanis tem uma generosidade enorme, de uma inteligência primorosa. Ela entende muito bem a atuação dela no mundo, não só como um ofício mas como humana, como uma agente transformadora. Minha admiração por ela cresce cada vez mais.
De vegana a carnívora
Diferentemente de Juma, que tinha aversão ao “bicho homem” e que está descobrindo sua sexualidade e amor romântico com Jove, Alanis é muito bem resolvida. Ela prefere não se limitar a rótulos, se “relaciona com pessoas” e vê como “revolucionária” a forma com que outras mulheres do meio artístico tem assumido a bissexualidade.
— Nossos desejos são nossos e não para servir a nada e nem ninguém. Mas entendo como é afrontoso ser uma mulher livre, que se expressa e que se tem pra ela — diz ela, que teve o nome escolhido pelo pai, admirador da cantora Alanis Morissette.
Este é o segundo trabalho da atriz na TV e, nos dois, encarnou o papel principal — em 2019, era Rita em “Malhação”. Natural de Santo André, em São Paulo, e caçula de três irmãos, ela se formou na Escola Nacional de Teatro de sua cidade natal em dezembro de 2018 e em janeiro do ano seguinte já estava no Rio fazendo a preparação para sua estreia. Começar assim foi “uma responsa”, ela diz. Mas, se Rita era uma mocinha urbana e fácil de gerar identificação, Juma é uma jovem mulher selvagem, que herdou de sua mãe, Maria Marruá (Juliana Paes), o dom de virar onça e de empunhar uma espingarda.
— Desde que a Juma chegou para mim, tentei resgatar os instintos que foram domesticados na gente. Me coloquei um tempo na natureza à noite, eu andava no chão para entender como a gente sente de outra perspectiva. Testei comer com as mãos, estar com o pé no chão, busquei atividades que me fizessem estar mais em contato com nossos sentidos. Queria encontrar o meu bicho, a minha mulher selvagem— conta a atriz, que fez aulas de equitação e kung fu e, depois de cinco anos sendo vegana, voltou a consumir carne como parte do processo de desenvolvimento da personagem. — Até torci para que eu não gostasse (de carne), mas faz parte do processo (risos).
Cristiana Oliveira, que interpretou Juma na primeira vez em que a novela foi ao ar, em 1990, na TV Manchete, aplaude seu desempenho:
— Ela entendeu o encanto da Juma. As almas se encontraram e a mágica aconteceu.
Para Marcos Palmeira, o José Leôncio, Alanis é “intuitiva” e “responsável”:
— Acho que ela é a cara da onça. Eu vi todo o trabalho dela, a dedicação. Alanis tem um potencial incrível, ela é muito sensível.
Entre insetos e cobras
Esta é a segunda vez que a filha do engenheiro e músico Fúlvio Caratella e da arquiteta Valéria Guillen vai ao Pantanal — a primeira também foi para gravar a novela, em agosto de 2021. Mesmo amando estar na natureza, a artista admite que todo dia enfrenta um perrengue.
— Um dia, estávamos gravando na tapera da Juma e parecia que a gente estava em cima de um formigueiro de saúvas. Era saúva escalando todo mundo, as paredes, o chão coberto, e eu descalça. A casa da Juma é quase um ninho de coisas — conta ela. — Na primeira vez em que fui abrir a porta, pulou um bicho, e eu senti um choque no meu dedo. Até hoje não sei que bicho era esse.
Alanis enfrentou formigas gigantes, já posou para foto com sucuri, passou pela picada misteriosa, mas a experiência de contracenar com Matí — a onça do elenco — ficou para a próxima. Ela conta que a cena em que Juma encontra o animal pela primeira vez depois da morte de sua mãe precisou ser feita com uso de tecnologia, porque a onça já estava cansada e sem muita vontade de atuar.
— Vou acabar com a alegria de todo mundo. Minha mãe mesmo falou: “Ai, não queria saber disso, foi lindo”. Tivemos que respeitar o momento dela, é a onça que manda — diz.
Para incorporar a onça, tanto em forma animal quanto humana, é preciso concentração e técnica:
— Sou muito mais lânguida e zen que a Juma, então começo aguçando os sentidos. Às vezes, principalmente no estúdio, roubo uma anilha ou saco de areia dos bastidores e fico malhando braço, fazendo agachamento, para dar calor e deixar o corpo aceso.