Eleições e multas: artistas devem se manifestar politicamente?
Reprodução 01.04.2022
Eleições e multas: artistas devem se manifestar politicamente?

No segundo dia do festival Lollapalooza, o Brasil foi surpreendido pela ação do Tribunal Superior Eleitoral em proibir manifestações políticas durante o evento. O pedido foi feito pelo Partido Liberal (PL), o mesmo do presidente Jair Bolsonaro, e aceito pelo ministro Raul Araújo. O descumprimento da medida traria uma multa de R$ 50 mil por cada artista que desobedecesse.

A atitude foi tomada  após as manifestações durante o primeiro dia de festival. Na ocasião, a cantora Pabllo Vittar exibiu uma bandeira estampando o rosto do ex-presidente e candidato à eleição Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, diversos artistas entoaram gritos de protestos contra o atual governo durante o dia.


A justificativa da proibição é de que as expressões de protestos durante o evento teriam configurado propaganda eleitoral antecipada e negativa, já que as eleições presidenciais estão previstas para outubro deste ano.

Com a liminar valendo, a intenção do partido de Bolsonaro caiu por terra. Ao tentar silenciar as manifestações, artistas se inflamaram ainda mais para utilizar a voz e palco para criticar o governo.


As manifestações

No primeiro dia de festival, Pabllo Vittar ao caminhar pela área do público avistou um fã segurando uma bandeira do ex-presidente Lula. Concordando com a atitude do fã, a artista tomou o tecido e passou a balançar o adereço por todos os lugares. 

Ainda na sexta-feira, a cantora britânica Marina gritou em cima do palco os dizeres: “FUCK PUTIN, FUCK BOLSONARO” ( F*da-se Putin, F*da-se Bolsonaro). 

No domingo, após o TSE aprovar o pedido de proibição do PL, os artistas, que já estavam se manifestando, levaram a provocação ao nível mais alto.  

Durante o dia, além das críticas no microfone, a banda de rock Fresno projetou no telão do palco a frase ‘Fora Bolsonaro’. O rapper Emicida, que sempre se posicionou contra o governo, também participou dos protestos.





O rapper Djonga, conhecido pelas ácidas críticas ao sistema político, durante a apresentação, gritou "Eu odeio o Bolsonaro. Não pode falar né? Bolsonaro vai tomar no c*". Em referência ao ano de 2022, o artista gritou 22 vezes a frase "Bolsonaro vai tomar no c*".


Ciente da multa que artistas poderiam levar, a diva pop brasileira Anitta se colocou à disposição para pagar o valor para aqueles que fossem autuados pelo ‘crime’. Além disso, no Twitter, a cantora debochou do valor estipulado. “50 mil? Poxa... menos uma bolsa.  FORA BOLSONAROOOOO. Essa lei vale fora do país? Porque meus festivais são só internacionais”, zombou.

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Mas afinal, o artista pode se manifestar?

Para compreender a situação que envolveu a decisão do TSE e as manifestações dos artistas, o iG Gente conversou com dois especialistas da área e um coletivo de defesa da liberdade dos artistas.

Para o cientista social Fábio Luporini, a arte tem diversas funções sendo algumas delas a função de entreter, de satirizar, criticar e ironizar. Caberá ao artista decidir em qual intenção pretende enquadrar o próprio trabalho. Segundo ele, a manifestação política não é um dever do artista.

“É preciso respeitar aqueles que usam a própria arte para se manifestar politicamente e aqueles que desejam não fazê-lo. A arte não precisa se manifestar politicamente. A gente pode entendê-la pela função do entretenimento.”

Paula Lavigne e Caetano Veloso
Reprodução

Paula Lavigne e Caetano Veloso fazem parte do Coletivo 342 Artes

O coletivo 342 Artes, um projeto de artistas brasileiros que combatem a censura às manifestações políticas e culturais, enxerga por outro ângulo. Para a coordenadora do coletivo, Mari Stockler, a não manifestação pode acabar virando contra o artista futuramente e ainda defende que em tempos em que a arte é ameaçada artistas devem defendê-la.

“Em tempos de restrição de direitos e de liberdades como a que estamos vivendo hoje no Brasil, o artista deveria, primeiro, defender a liberdade de se expressar e de fazer sua arte. Isso não quer dizer que bons artistas que não se posicionam sejam maus artistas. Mas a história não perdoará, no futuro, a neutralidade no presente. E artistas que estão em silêncio hoje poderão sofrer críticas no futuro”, aponta.

Segundo o argumento do partido de Bolsonaro, as manifestações no festival Lollapalooza se enquadram como campanha eleitoral antecipada. No Brasil, em ano eleitoral, algumas situações são proibidas por lei, como, por exemplo, o "showmício".

Para o mestre em Direito e diretor executivo da ABONG (Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns), Henrique Botelho, é preciso ter cuidado ao analisar situações que envolvem protestos de artistas. Para ele, o ocorrido no Lollapalooza se enquadra como um direito de liberdade de expressão individual.

“Considerando que artistas são cidadãos, eles têm o pleno direito no regime democrático brasileiro de manifestar o pensamento, expressão e opinião. Então qualquer manifestação de desabono, de crítica aos governantes se enquadra no exercício normal da liberdade de expressão e opinião”, explica.

No entanto, a relação comercial entre candidatos e artistas é de fato proibida pela lei. “É evidente que num processo eleitoral existem algumas restrições para assegurar a legitimidade das eleições, para evitar, por exemplo, abuso de poder econômico, como compra de votos. Nesse sentido, a legislação eleitoral foi mudando ao longo dos anos e hoje já não se tolera aquele estilo de showmício que antigamente tinha”, continua.

“No passado, por exemplo, candidatos e partidos pagavam artistas para fazerem shows, pedir voto e 'vestir a camisa'. Então, existe ali uma relação econômica e comercial.”

Para o advogado, a decisão do TSE foi um erro de interpretação e promoveu a censura do direito de liberdade individual dos artistas. “As manifestações não podem ser entendidas como propaganda eleitoral antecipada, então a decisão do TSE parece bastante precipitada e equivocada nesse sentido, porque põem à frente de um direito constitucional”, apontou.

A coordenadora do Coletivo 342 concorda com a posição do advogado e define a decisão do TSE como um ‘completo absurdo’. “Não foi uma manifestação da organização do evento e sim o exercício do direito constitucional de cada um se manifestar. Ou seja, uma artista exercendo seu direito de se manifestar livremente, um direito garantido por nossa Constituição. Isso é liberdade de expressão, algo que a extrema direita só reconhece quando se trata de defender a sua liberdade de expressão”, critica. 

Na segunda-feira (27), após o encerramento do festival Lollapalooza, o partido de Bolsonaro pediu para arquivar a própria liminar. Sendo assim, a decisão do TSE foi derrubada pelo Partido Liberal.

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