No segundo dia do festival Lollapalooza, o Brasil foi surpreendido pela ação do Tribunal Superior Eleitoral em proibir manifestações políticas durante o evento. O pedido foi feito pelo Partido Liberal (PL), o mesmo do presidente Jair Bolsonaro, e aceito pelo ministro Raul Araújo. O descumprimento da medida traria uma multa de R$ 50 mil por cada artista que desobedecesse.
A atitude foi tomada após as manifestações durante o primeiro dia de festival. Na ocasião, a cantora Pabllo Vittar exibiu uma bandeira estampando o rosto do ex-presidente e candidato à eleição Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, diversos artistas entoaram gritos de protestos contra o atual governo durante o dia.
A justificativa da proibição é de que as expressões de protestos durante o evento teriam configurado propaganda eleitoral antecipada e negativa, já que as eleições presidenciais estão previstas para outubro deste ano.
Com a liminar valendo, a intenção do partido de Bolsonaro caiu por terra. Ao tentar silenciar as manifestações, artistas se inflamaram ainda mais para utilizar a voz e palco para criticar o governo.
As manifestações
No primeiro dia de festival, Pabllo Vittar ao caminhar pela área do público avistou um fã segurando uma bandeira do ex-presidente Lula. Concordando com a atitude do fã, a artista tomou o tecido e passou a balançar o adereço por todos os lugares.
Ainda na sexta-feira, a cantora britânica Marina gritou em cima do palco os dizeres: “FUCK PUTIN, FUCK BOLSONARO” ( F*da-se Putin, F*da-se Bolsonaro).
No domingo, após o TSE aprovar o pedido de proibição do PL, os artistas, que já estavam se manifestando, levaram a provocação ao nível mais alto.
Durante o dia, além das críticas no microfone, a banda de rock Fresno projetou no telão do palco a frase ‘Fora Bolsonaro’. O rapper Emicida, que sempre se posicionou contra o governo, também participou dos protestos.
O rapper Djonga, conhecido pelas ácidas críticas ao sistema político, durante a apresentação, gritou "Eu odeio o Bolsonaro. Não pode falar né? Bolsonaro vai tomar no c*". Em referência ao ano de 2022, o artista gritou 22 vezes a frase "Bolsonaro vai tomar no c*".
Ciente da multa que artistas poderiam levar, a diva pop brasileira Anitta se colocou à disposição para pagar o valor para aqueles que fossem autuados pelo ‘crime’. Além disso, no Twitter, a cantora debochou do valor estipulado. “50 mil? Poxa... menos uma bolsa. FORA BOLSONAROOOOO. Essa lei vale fora do país? Porque meus festivais são só internacionais”, zombou.
Leia Também
Leia Também
Mas afinal, o artista pode se manifestar?
Para compreender a situação que envolveu a decisão do TSE e as manifestações dos artistas, o iG Gente conversou com dois especialistas da área e um coletivo de defesa da liberdade dos artistas.
Para o cientista social Fábio Luporini, a arte tem diversas funções sendo algumas delas a função de entreter, de satirizar, criticar e ironizar. Caberá ao artista decidir em qual intenção pretende enquadrar o próprio trabalho. Segundo ele, a manifestação política não é um dever do artista.
“É preciso respeitar aqueles que usam a própria arte para se manifestar politicamente e aqueles que desejam não fazê-lo. A arte não precisa se manifestar politicamente. A gente pode entendê-la pela função do entretenimento.”
O coletivo 342 Artes, um projeto de artistas brasileiros que combatem a censura às manifestações políticas e culturais, enxerga por outro ângulo. Para a coordenadora do coletivo, Mari Stockler, a não manifestação pode acabar virando contra o artista futuramente e ainda defende que em tempos em que a arte é ameaçada artistas devem defendê-la.
“Em tempos de restrição de direitos e de liberdades como a que estamos vivendo hoje no Brasil, o artista deveria, primeiro, defender a liberdade de se expressar e de fazer sua arte. Isso não quer dizer que bons artistas que não se posicionam sejam maus artistas. Mas a história não perdoará, no futuro, a neutralidade no presente. E artistas que estão em silêncio hoje poderão sofrer críticas no futuro”, aponta.
Segundo o argumento do partido de Bolsonaro, as manifestações no festival Lollapalooza se enquadram como campanha eleitoral antecipada. No Brasil, em ano eleitoral, algumas situações são proibidas por lei, como, por exemplo, o "showmício".
Para o mestre em Direito e diretor executivo da ABONG (Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns), Henrique Botelho, é preciso ter cuidado ao analisar situações que envolvem protestos de artistas. Para ele, o ocorrido no Lollapalooza se enquadra como um direito de liberdade de expressão individual.
“Considerando que artistas são cidadãos, eles têm o pleno direito no regime democrático brasileiro de manifestar o pensamento, expressão e opinião. Então qualquer manifestação de desabono, de crítica aos governantes se enquadra no exercício normal da liberdade de expressão e opinião”, explica.
No entanto, a relação comercial entre candidatos e artistas é de fato proibida pela lei. “É evidente que num processo eleitoral existem algumas restrições para assegurar a legitimidade das eleições, para evitar, por exemplo, abuso de poder econômico, como compra de votos. Nesse sentido, a legislação eleitoral foi mudando ao longo dos anos e hoje já não se tolera aquele estilo de showmício que antigamente tinha”, continua.
“No passado, por exemplo, candidatos e partidos pagavam artistas para fazerem shows, pedir voto e 'vestir a camisa'. Então, existe ali uma relação econômica e comercial.”
Para o advogado, a decisão do TSE foi um erro de interpretação e promoveu a censura do direito de liberdade individual dos artistas. “As manifestações não podem ser entendidas como propaganda eleitoral antecipada, então a decisão do TSE parece bastante precipitada e equivocada nesse sentido, porque põem à frente de um direito constitucional”, apontou.
A coordenadora do Coletivo 342 concorda com a posição do advogado e define a decisão do TSE como um ‘completo absurdo’. “Não foi uma manifestação da organização do evento e sim o exercício do direito constitucional de cada um se manifestar. Ou seja, uma artista exercendo seu direito de se manifestar livremente, um direito garantido por nossa Constituição. Isso é liberdade de expressão, algo que a extrema direita só reconhece quando se trata de defender a sua liberdade de expressão”, critica.
Na segunda-feira (27), após o encerramento do festival Lollapalooza, o partido de Bolsonaro pediu para arquivar a própria liminar. Sendo assim, a decisão do TSE foi derrubada pelo Partido Liberal.