Fuzuê, novela das sete da TV Globo, estreou dia 14 de agosto com uma difícil missão: substituir "Vai Na Fé", sucesso de audiência. A nova trama, no entanto, falhou. Enquanto o folhetim de Rosane Svartman atingia 23 pontos de audiência na média geral em São Paulo, viralizava nas redes sociais e contava com publicidade de diversas marcas nas cenas, a novela de Gustavo Reiz alcança em média 20 pontos na região paulista, menos que "Cara e Coragem", que também teve baixa repercussão, e recebe críticas na web. Mas o que fez com que "Fuzuê" fracassasse?
Segundo Maria Cristina Mungioli, professora da ECA-USP e especialista em teledramaturgia, os personagens sem camadas, a trama que é focada em um mistério que não avança e o humor, que ultrapassa os limites do "pastelão", foram os fatores aque afastaram os telespectadores.
Personagens superficiais
Mungioli destaca que os personagens da trama apresentam histórias superficiais e cita Preciosa (Marina Ruy Barbosa) como exemplo. "Ela fica muito naquela posição do manequimismo (onde só existe ou o bem ou o mal), não tem camadas. Então, a personagem fica um pouco acima do que a gente esperava na questão das vilãs, que, atualmente, têm mostrado muito mais as ambiguidades. A Preciosa está ainda naquele patamar da maldade".
E, por ter tais características, Preciosa não consegue estabelecer relações verdadeiras com outro personagem. Ela, inclusive, tem um relacionamento conturbado com mãe Bebel (Lilian Cabral), simplesmente, porque ela é má. "Nem alí ela consegue gerar empatia por causa desses traços de vilã", pontua Mungioli.
A especialista também aponta que temas como a rejeição da mãe ou até a recusa da vilã em assumir a irmã Luna (Giovanna Cordeiro), para não dividir a herança do pai, são "complicados" e não foram muito bem desenvolvidos pela novela da Globo.
Mungioli afirma que a falta de camadas atinge outros personagens da trama, como Nero (Edson Celulari), Luna e até Jeffinho Sem Vergonha (Micael Borges). Ela ainda ressalta que o problema está na "construção dos personagens e não na atuação dos atores".
Trama parada
Outro ponto apontado pela especialista é a falta de desenvolvimento da trama. Seguno Mungioli, o enredo do mistério do tesouro, que deu início à novela, parece não evoluir.
"Esse tesouro também ficou muito tempo [sem desdobramentos] ... Agora começou a aparecer mais depois da chegada da Maria Navalha (Olívia Araújo), mas, mesmo assim, ainda continua com várias incógnitas. Acho que essa construção da trama, em termos de daquilo que movimenta o conflito principal, acaba ficando meio fraca", avalia ela.
Mungioli ainda retoma a relação de irmãs Luna e Preciosa, como outra coisa que não se desenvolveu. O segredo de que a mocinha também é filha de César Montebello (Leopoldo Pacheco) foi um dos motes e maiores conflitos da novela, mas acabou sendo deixado de lado ao decorrer dos capítulos. Vale ressaltar que a rivalidade entre as duas personagens até foi desenvolvida, mas o laço familiar, que foi descoberto por Bebel, acabou ignorado.
"A gente tem uma coisa que ainda não está contada. Dá a impressão que a história ainda não aconteceu e que vai acontecer. Isso traz uma angustia para audiência", aponta ela.
Humor pastelão
"Fuzuê", como a maioria das novelas das sete, tem apelo humorístico. E, desta vez, a trama recorreu ao humor "pastelão", apoiado em trapalhadas e piadas prontas. No entanto, parece que ele não tem funcionado bem com os telespectadores. De acordo com Mungioli, Gustavo Reiz tem errado na dosagem deste humor.
"A questão é a dosagem desse humor. Até onde ele é agradável? Porque fica parecendo que algumas coisas são colocadas ali para preencher espaço [...] Tomar cuidado com a dose disso é uma arte também".
Ela, então, relembra novelas de sucesso que recorriam ao humor "pastelão", mas com histórias bem estruturadas e outras camadas. "A gente vê aquelas novelas famosas que tinham aquelas cenas de guerra de comida, como 'Guerra dos Sexos' (1983) com a Fernanda Montenegro e com o Paulo Autran. Uma história lá de trás, que tem o 'pastelão', mas que se segurava em outras coisas, não só no humor".
A especialista diz que o foco excessivo no humor também pode ter tirado o foco de uma trama com mais desdobramentos e personagens mais complexos. "A gente tem um elenco muito bom, com atuações dentro do esperado, na maior parte dos casos, mas eu acho que a parte principal, que não dá uma amarração boa, é a própria trama e a construção desses personagens. Eu acho que fica faltando coisas ali", ressalta Mungioli.
Após a má repercussão de "Fuzuê" entre os telespectadores, a Globo apostou em estratégias para atrair o público.
Além de passar comerciais que relembram a história dos personagens, os atores da trama estão sendo chamados para programas da emissora para promover a novela. A especialista diz que essa é uma forma de reapresentar a trama para os telespectadores.
"Acho que o público está com esse sentimento de que história não anda e parou de assistir, nem sabe o que tá acontecendo [...] E é uma pena porque a gente gosta de ver uma novela que cative muito público, que tem uma história que gera engajamento. Então, ela ainda está perdendo em alguns quesitos", diz ela.
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