Seria improvável pensar em “Cambalacho” (1986) sem lembrar de Regina Casé cantando "Você Me Incendeia" como Tina Pepper. Ou falar de “Cheias de Charme” (2012) sem recordar Taís Araújo, Leandra Leal e Isabelle Drummond apresentando “Vida de Empreguete”. A música consegue transformar uma novela. E o impacto de faixas autorais na TV segue sendo visto em “Vai na Fé”, atual trama das sete da Globo.
O projeto assinado por Rosane Svartman traz Lui Lorenzo, personagem de José Loreto, inspirado em artistas como Sidney Magal, Ricky Martin e Latino. A direção musical da produção é de Daniel Musy, músico vencedor do “Grammy Latino”, que já trabalhou no setor musical de outras novelas, como “Rock Story” (2016) e “Segundo Sol” (2018), ambas da emissora carioca.
Canções como “Pool Party” e “Joaninha” ultrapassam a ficção e compõem um álbum dedicado ao personagem nas plataformas de streaming, disco que já totaliza mais de 300 mil reproduções apenas no Spotify. Lorenzo, não Loreto, também já foi convidado para participar de programas de entrevista da Globo e se apresentou no trio de Ivete Sangalo no Carnaval de Salvador deste ano.
Mas o que está por trás desse grande alcance para além das telinhas? O compositor Cassiano Andrade trabalhou com Daniel nas faixas de Lui e analisa como o sucesso é uma mistura de “sorte e ciência”. “Antigamente, discos de trilha sonora vendiam igual água nas lojas, porque as músicas mudam tudo. Não é uma música que muda uma cena, uma cena também faz uma música e pode transformar uma música que talvez fosse simples em uma coisa absurda”, diz ao iG Gente.
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Autor da faixa “Sal na Pele”, para “Segundo Sol”, o compositor explica que a Globo decidiu “lançar o personagem como artista”, mas ainda vê um processo orgânico no crescimento de Lui para além da novela, em poucos meses. “Tem que ter a sorte das composições fazerem sentido. Não obrigatoriamente em popularidade, mas elas fazerem sentido com o que o personagem está pedindo”, avalia.
Com um histórico de trabalhos para a banda Jamz, Maria Rita, Arlindo Cruz, Arlindinho, Alcione e mais artistas, Cassiano reconhece o caso de Lui Lorenzo como uma “química perfeita”. “O Loreto é um grandíssimo ator, basta ver como ele sai de uma coisa para outra, é nítida a mudança de ‘Pantanal’ para ‘Vai na Fé’. E [o personagem está] fazendo uma novela das sete ficar com cara de novela das nove, acho que está bem parecido com uma novela das nove”, opina.
Enquanto Andrade observa José Loreto “se sentindo super à vontade com as canções”, ele ressalta que existe um trabalho “muito criterioso” nos bastidores. “Compor também é uma ciência, apesar do lado gostoso e lúdico. Principalmente para uma novela, quando você já tem a ideia de um texto bem estabelecido. Você tem que criar poesia em cima daquilo”, comenta.
O compositor relata que a ciência por trás de Lui Lorenzo é um “trabalho conjunto”, explicando que Daniel Musy faz uma primeira leitura do texto da novela e repassa as exigências para as canções a partir de critérios da produção. “Ele me passa um briefing com um ‘mood’, um humor, do que precisa ser composto. [O pedido] já chega super mastigado para mim. Ele me leva as informações já compreendidas”, diz.
Entre os pedidos para a criação de faixas autorais, são considerados aspectos como “o estilo pretendido, argumento [da temática], forma da poética e em que lugar está o eu lírico”. “Para a gente acertar o máximo possível, temos que virar aquele personagem. De certa forma, eu e Daniel somos Lui Lorenzo. A gente tem tido muita sorte em acertar, porque não é fácil [...] É complexo, mas é super divertido de fazer. É um jogo comigo mesmo, essa é a graça da ciência da composição”, pondera.
Cassiano confessa que nem sempre o resultado desse “jogo” é aprovado, sendo que algumas músicas enviadas exigem alterações e novas conversas com a autora e o diretor artístico, Paulo Silvestrini. “Pode, sim, chegar lá e não funcionar, já aconteceu. Mas na maioria das vezes a gente tem aprovado. Porque além da composição bem feita, o Daniel produz um arranjo absurdamente de qualidade e dentro da ideia. Chega com tanta qualidade essa informação, que é difícil falarem que está errado”, avalia.
O compositor expõe que as músicas são feitas “conforme a demanda”, sendo que há canções solicitadas repentinamente e outras já planejadas, como as cinco primeiras gravadas antes da estreia da novela. Por conta da variação entre os pedidos, a duração da criação de novas faixas varia, podendo alcançar de poucas horas a dias.
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“Pode durar entre o Daniel me ligar hoje, pedir uma coisa, eu fazer minha parte do trabalho. Mando para ele, que finaliza, faz um arranjo lá e ao fim do dia já está pronta a música para enviar ao diretor. Diretor aprovando, pode ser que amanhã ele [Loreto] esteja gravando a cena”, entrega, explicando que momentos antes da entrevista com o iG estava trabalhando em um caso como este.
“[Veem] se a coisa funcionou e [indicam] seguir por esse caminho. Pode ser assim e pode ser tudo pré-planejado desde o começo. Mas a novela é dinâmica de audiência, se movimenta conforme o que o próprio espectador está sentindo. A novela está indo bem? Mantém aquela métrica. Precisa de alguma mudança? Eles mudam”, complementa.
+ O "AUÊ" é o programa de entretenimento do iG Gente. Com apresentação de Kadu Brandão e comentários da equipe de redação, o programa vai ao ar toda sexta-feira, às 12h, no YouTube, com retransmissão nas redes sociais do portal.