Investimento em novelas e a criação de um estúdio aos moldes do Projac, uma programação diária e dominical que se espelha na Globo , a contratação de ex-astros da emissora carioca. Esses são alguns exemplos de tentativas da Record de alcançar a Globo, seja na programação como na audiência.
Por que, então, é tão difícil para a Record alcançar o prestígio da Globo? Parte disso pode ser explicado pelo trabalho feito por Boni e Walter Clark logo no começo da emissora carioca. Logo no início quando foi fundada por Roberto Marinho em 1965, a Globo contou com Clark para ajudar a desenvolver sua programação.
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Logo depois, ele chamou José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e juntos desenvolveram o que se tornou a maior emissora do país. Publicitários, eles ajudaram a moldar a programação baseada em seu público.
“Os dois tinham uma capacidade para identificar o que o público queria ver. Estudaram muito, tiveram contato com as TVs de fora. E aí surgiu o ‘padrão Globo de qualidade’”, comenta uma ex-funcionária da Record que pediu para não ser identificada.
É muito comum, hoje, que relacionemos horários do dia à programação da emissora, como a hora do “Jornal Nacional”, ou depois do almoço quando começa o “Vídeo Show”, além do clássico combo do domingo que inclui “Domingão do Faustão” e “Fantástico”. Esses programas foram tão fixados nas pessoas, que hoje fazem parte do nosso cotidiano.
Sendo assim, eles criam alguns hábitos que são difíceis de desfazer. Não que outros canais não tentem. A Record, fundada cerca de 10 anos antes em São Paulo, tentou mudar sua direção e “copiar” a carioca a partir dos anos 1990, quando foi adquirida pelo fundador da Igreja Universal, Edir Macedo .
Um dos passos para essa aproximação foi a criação do RecNov em 2005, que funcionaria como o Projac da Record. De lá saíram produções como “Os Mutantes”, “Ribeirão do Tempo” e, mais recentemente “Os Dez Mandamentos”.
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A dramaturgia da Record
Sem o mesmo histórico da dramaturgia da Globo, a Record não tinha a mesma qualidade nem orçamento nas produções. Ainda assim, eles tentaram investir em histórias distintas às apresentadas da Globo e chegaram a ter algum êxito.
Mas, foi quando eles decidiram apostar de vez nas histórias bíblicas que eles encontraram seu nicho. Assim como o SBT, com produções infanto-juvenis e mexicanas, a Record se dedicou a temática bíblica e experimentou o gosto da vitória justamente com “Os Dez Mandamentos”.
Mas, se por um lado, eles atraíram fieis para a TV, eles alienaram quem não tem interesse nesse tipo de conteúdo. Ao invés de agregar espectadores (novelas com temáticas religiosas não são novidade e já funcionaram na própria Globo), eles decidiram focar em temas retirados da Bíblia e ficar nisso.
Depois de “Os Dez Mandamentos”, que superou as expectativas e bateu recordes de audiência, a emissora não conseguiu manter esses números, mesmo mantendo essa concepção. “O Rico e Lázaro”, “Terra Prometida” e a atual “Apocalipse” apresentam baixa audiência e não repetem o sucesso da pioneira no tema.
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Com isso, fica claro que a emissora precisa diversificar e atualizar suas histórias se quiser bater de frente com a Globo.
Intervenção divina
Folhetins com temática religiosa já funcionaram antes. “A Viagem”, “A Padroeira” ou “Alma Gêmea” são novelas que têm a religião como tema central e fizeram muito sucesso na Globo. Elas, porém, são equilibradas com muitas outras histórias, que vão desde imigração ilegal a vingança.
Para uma produção ser aprovada hoje na Record, ela tem que ter o crivo de Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo. E a ordem é respeitar os preceitos bíblicos tal como são pregados na Igreja. As novelas, por exemplo, não podem retratar sexo antes do casamento. Relação homossexual? Nem pensar.
“Quem manda são as pessoas da Igreja então tem limitações em termos de conteúdo. Pode ter uma mega produção, pessoas muito boas, mas tem limitações. Na Globo também, mas na Record tem mais porque tem pudores para defender os interesses da Igreja”, explica a fonte.
Geladeira mal administrada
O conceito de “geladeira” não é novo e nem exclusivo da Record. A Globo também faz suas contratações e acaba não conseguindo encaixá-las no canal sempre. A diferença é que a Record usa as suas para “tampar buraco”.
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Gugu Liberato, por exemplo, foi uma alta aposta da emissora, que lhe cedeu uma boa parcela do domingo para apresentar algo parecido com o que ele já fazia no SBT. Em tese deu certo. De acordo com a fonte, o programa chegou a incomodar a concorrência e bateu o Faustão algumas vezes, mas os custos da equipe (boa parte levada por Gugu do SBT), começou a inviabilizar o programa.
Houve uma tentativa de muda-lo de horário até, por fim, tirá-lo de vez do ar. Agora, ainda contratado do canal, Gugu comanda o “Power Couple”, programa muito aquém das habilidades conquistadas pelo apresentador ao longo de sua carreira. O mesmo aconteceu com Justus, que teve sua boa fase apresentando “O Aprendiz”, até que o formato do programa também se esgotou.
Na geladeira, ele foi convocado para apresentar a última edição de “A fazenda”, que foi ao ar em 2017. Sem aptidão para o cargo, ele não retorna na próxima temporada e, inclusive, já encerrou seu vínculo com o canal.
A força do hábito
De volta a Boni e Clark, o que os dois perceberam, lá na década de 1960, é que televisão tem muito a ver com hábito. “A Globo tem uma grade de programação baseada no entendimento do que o público quer. Cada programa e horário está lá por um motivo”, comenta a fonte.
Para ela, o problema mais grave na Record é justamente que a liderança não sabe, ou não tem o conhecimento necessário, para entender esse público e criar esse hábito. “O Justus, por exemplo, em cinco, 10 anos, quantos programas diferentes ele fez?”, comenta. A resposta é seis, desde sua chegada à emissora em 2004.
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“Às vezes eles não tem paciência para insistir”, conclui. Isso acaba criando uma dificuldade do público em se identificar com a emissora. Ao contrário da Globo, que o público sabe a grade de cor, na Record isso não acontece. Tente responder rapidamente: o que passa na Record de semana às 21h?
A Record também tem seus acertos. Os jornalísticos da emissora são eficientes, e algumas apostas como Rodrigo Faro e Sabrina Sato deram muito certo. Mas, se não quiser continuar amargando uma disputa pelo segundo lugar com o SBT, o hábito e a liderança qualificada devem virar prioridades no canal.