“A Força do Querer” tem feito o que poucas novelas fizeram nos últimos anos: incitar conversas sobre o folhetim em diversas rodas de conversa. O hábito dos brasileiros de ver a “Novela das 21h” e comentar a respeito vem de longa data, mas com as fracas histórias dos anos recentes, pouco se falava a respeito. Glória Perez mudou isso ao criar não só uma, mas diversas histórias interessantes em sua nova novela .
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Sendo assim, há muito sobre o que se falar sobre “ A Força do Querer ”, como a transição do transexual Ivan (Carol Duarte), os problemas de Silvana (Lilia Cabral) com o vício em jogo, as maldades de Irene (Débora Falabella) e o trabalho da policial Jeiza (Paolla Oliveira). Mas o assunto que mais causa controvérsia entre os noveleiros é a relação do casal Rubinho (Emílio Dantas) e Bibi (juliana Paes).
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O começo
Quando a novela foi ao ar em abril, já sabíamos que a personagem era baseada em Fabiana Escobar, que foi casada com o traficante Pinga e viveu na Rocinha. Escobar deu a volta por cima, se separou do marido e escreveu um livro contando sua história. Inspirada nisso, Glória desenvolveu Bibi, uma mulher que logo no primeiro capítulo da novela dizia que gostava de “amar intensamente”. A personagem gostava de se sentir amada, desejada, enfim, ser colocada em um pedestal pelo parceiro. E seu marido Rubinho oferecia a ela justamente isso. Por isso, ela abriu mão do que poderia ser uma vida de riqueza com Caio ( Rodrigo Lombardi ), para viver esse intenso amor, colocando-o acima do dinheiro e do conforto. Mas esse amor, com ares de obsessão, foi ganhando novos contornos quando o marido se envolveu com o tráfico e a mulher não só aceitou, como acabou se envolvendo também.
Logo quando começa a entender o trabalho do marido na operação, Bibi se mostra acuada, porém curiosa. Quando os dois, ao fugir da polícia, se escondem em um apartamento de luxo, Bibi se deslumbra com a possível condição de vida. Esses pequenos encantamentos culminam na personagem deitada em uma pilha de dinheiro, tirando fotos, visivelmente deslumbrada. A cena causou muita controvérsia quando foi ao ar, com muitos questionando se Glória Perez não estava fazendo apologia ao crime .
“Do ponto de vista dramático, há a necessidade de que, para ser crível, a história mostre o fascínio que determinadas situações causam antes de mostrar o mal que causam”, explica Mauro Alencar, Doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana. Para ele, antes de mostrar as possíveis consequências dos atos de Bibi e Rubinho, é preciso que eles exerçam esses atos de fato. E um folhetim, sendo uma ficção, permite mostrar essas ações. Sendo assim, o “romantizar” da trama é necessário, até mesmo para explicar o porquê do envolvimento dos personagens com o crime. A autora ainda mostra, por meio de Jeiza e de Caio, que é Secretário de Segurança Pública, o outro lado: da investigação e combate ao crime.
Ficção x realidade
Enquanto muitos questionam se a história de Bibi e Rubinho faz apologia ao crime ou não, outros ainda argumentam sobre a veracidade das cenas, em relação a vida real. Desde os anos 1970 com “Beto Rockfeller”, a novela brasileira tem mostrado um retrato mais aproximado da população do nosso país, o que significa incluir favelas, subúrbios, pequenos bairros e cidades de interior no roteiro. Por questões práticas, já que o Projac é no Rio de janeiro, a maioria das tramas se passa lá. E a realidade carioca, no momento, causa um grande impacto negativo.
Considerando a cena em que Bibi “nada” no dinheiro, fazendo um paralelo com a vida real, o momento parece ser o pior, mas também o melhor. Se compararmos com as malas de Geddel, a novela nunca esteve tão próxima da nossa realidade. Porém, levando em consideração o difícil momento que o Rio de Janeiro passa, exibir a personagem plena e feliz com dinheiro sujo não poderia ser mais inapropriado.
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“(Com a novela) acompanhamos uma crônica contemporânea das mais vigorosas onde as questões sociais mais urgentes se fazem presentes a cada capítulo, com personagens moldados à luz dos últimos acontecimentos sociais e comportamentais”, acredita Mauro. “Em hipótese alguma enxergo "romantização" do crime”, completa o especialista.
Outros exemplos da ficção
A crítica pode até ser válida, mas será que ela se sustenta considerando outros exemplos da ficção? A série da Netflix “ Narcos ”, por exemplo, retrata o período de ascensão do tráfico de drogas na Colômbia, e de um dos maiores traficantes do mundo: Pablo Escobar. Por mais que retrate a vida de Escobar, a série também se utiliza de recursos narrativos ficcionais para amarrar a história. E não dá para dizer que “Narcos” faz apologia ao tráfico. A série é apenas a representação de um período histórico e as figuras que fizeram parte desse momento.
“Tendo como base a psicologia social, a reação acalorada do público em diversas cenas de ‘A Força do Querer’ é fruto direto das condições psicológicas e sociais do consumidor contemporâneo, cada vez mais atualizado e politizado”, completa Mauro. Isso não significa que essa reação não possa ser errônea ou exagerada.
Prestes a entrar em sua reta final, “ A Força do Querer ” colhe elogios por conta do serviço informativo que presta na questão da transexualidade. No caso do núcleo de Bibi, não tão bem desenvolvido, pode não ter ficado evidente para o público que os atos do casal terão consequências. Prestes a escrever os últimos capítulos, Glória Perez pode ouvir essas observações e aplicar a justiça que ela tanto comenta por meio do Caio nesses personagens.
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