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Anti-maniqueísta, série foi hábil em dosar fatalismo e subversão de expectativas no curso de 7 temporadas, mas receita entornou no ciclo final

É um tanto surreal, mas "Game of Thrones" acabou de verdade. Foi um dos finais mais divisivos da cultura pop desde "Lost" (2004 - 2010), ainda que a complexidade e engenho da criação de George R.R. Martin devidamente curadiada por David Benioff e D.W Weiss seja muito maior. 

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Game of Thrones
Divulgação
Daenerys em cena do último episódio de Game of Thrones

As resoluções para alguns personagens como Cersei e Jon Snow deixaram muitos fãs insatisfeitos. Tudo porque "Game of Thrones" habituou-se a trabalhar com profecias e, no caso de Snow, com a ideia de que ele era um Targaryen e que, naturalmente, isso poderia exercer alguma influência nos rumos da trama. 

O fatalismo tem sim vez em "Game of Thrones". Jon Snow era mesmo Azor Ahai, o príncipe prometido que sacrificaria o seu amor pelo bem maior, e não Arya Stark, como imaginado após ela matar o Rei da Noite, um dos maiores e mais bem sucedidos casos de  McGuffins da história da cultura pop. Ou, para os mais tradicionais, um dos mais irritantes casos de Deus Ex-Machina que se tem notícia. 

O fatalismo tem vez, mas não é senhor da narrativa. As profecias e expectativas envolvendo Cersei e Jon Snow, por exemplo, foram subvertidas. Jon, um líder relutante, em momento algum esteve perto do trono, ainda que sua ascendência tenha causado desestabilização política e, no caso de Dany (Emilia Clarke), emocional e psicológica.

Game of Thrones
Reprodução/HBO
Jon snow mata Daenerys em cena do último episódio de Game of Thrones

O personagem defendido por Kit Harington, no entanto, voltou para o exato lugar em que tudo começou, Castle Back e a Patrulha da Noite. Se o exílio era algo desejado por Jon Snow , também foi o flanco em que a série se permitiu vislumbrar certo maniqueísmo em suas soluções. De longe o grande protagonista e personagem mais trágico de toda a narrativa , Jon foi constantemente privado de escolhas próprias até o fim e norteado pelo indelével senso de responsabilidade e honradez, que inadvertidamente o fez um regicida e assassino da mulher que amava.

É justamente essa tremenda carga emocional e dramática que faz com que a solução do personagem não seja maniqueísta, precisamente por escorar-se em uma evolução muito bem admoestada por Martin e os criadores e que no andar pesaroso de Harington, acompanhado de muito perto por Weiss e Benioff em "The Iron Throne", ganhou expressão física e metafórica. Esta última dilatada com aquela cena final do personagem desaparecendo no "verdadeiro Norte", como lhe disse certa vez Tormund (Kristof Hivju), o inimigo convertido em amigo leal com a admiração como grande termometro - ele talvez tenha sido o único a chegar perto de compreender Snow.

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A ideia de destino, que pode ser espelhada nas resoluções dos Stark e nos nomes dos lobos que eles receberam de Ned (Sean Bean) lá no piloto da série, permeia o final da série. Sam (Jon Bradley-West) sempre despontou como um grão-mestre, a despeito de ter tido filho com Gilly. Já Tyrion (Peter Dinklage) é um animal político cujas articulações teimam em lhe colocar na posição de grande interlocutor do reino, seja qual for o governante.

Bran, por seu turno, sabia desde que virou o Corvo de Três Olhos que o comando do reino cairia em seu colo. Assim como Daenerys estava destinada a virar a "rainha louca" repetindo o destino (palavra perene no desenlaçe da trama) de seu pai.

Essa ideia do fatalismo, a despeito das escolhas dos personagens, responde por grande parte da insatisfação dos fãs com "Game of Thrones" em seu ato final. Reside aí, por exemplo, o descontentamento com Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) voltando para Cersei depois de entregar-se a Brienne (Gwendoline Christie). Mas novamente a série não facilita para seus críticos. Com aquela cena de Brienne honrando a memória do amado, reveste de complexidade uma questão aparentemente fechada.

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Talvez Waldau esteja certo. Toda essa hesitação, esse descontentamento seja mais porque o fim chegou do que pela forma como ele foi apresentado. Algo do tamanho de "Game of Thrones" jamais agradaria todos a todo tempo. Era filosófica e culturalmente impraticável que o fizesse. Mas a quebra de expectativas, uma filosofia em si tão bem encampada pelo programa, antagoniza com a ideia de fatalismo. Nesse contexto, a série conscientemente abre mão de parte de seu impacto com alguns de seus arranjos finais.

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