Uma das protagonistas e mais queridas da série, personagem de Emilia Clarke mobiliza debate entre fãs e críticos, mas a discussão está enviesada
A oitava temporada de “Game of Thrones” está dividindo público e crítica. A tendência era esperada, mas a intensidade dessa divisão talvez surpreenda pelo padrão narrativo que a série da HBO costuma ostentar.
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Na linha de frente à resistência aos desdobramentos observados no oitavo ano está o desenvolvimento da personagem Daenerys Targaryen (Emilia Clarke). Parte do público e da crítica considera que a personagem foi totalmente descaracterizada para virar uma vilã louca no fim de “Game of Thrones” .
A percepção está deslocada de sentido. Ainda que haja certa falta de rebuscamento na articulação dos conflitos e no encaminhamento das soluções nos dois últimos anos da série, um efeito colateral da decisão da HBO de agilizar a finalização da dispendiosa produção, as características observadas agora de maneira mais enfática em Daenerys foram pavimentadas no curso da série.
A teoria de que Dany enlouqueceria e que sob seu populismo estava uma figura autoritária e gananciosa sempre foi trabalhada com incrível poder de síntese e sugestão por George R.R Martin, autor dos livros, e David Benioff e D.B Weiss, criadores da série. A própria contestada oitava temporada aborda muito bem a espiral desestabilizadora da personagem.
Dany estava posicionada para rumar e conquistar Westeros e o trono de ferro com relativa tranquilidade quando Jon Snow (Kit Harington) chegou e a convenceu a se engajar em uma guerra mais importante: pela sobrevivência. Depois desse triunfo cheio de perdas, ela perde um segundo dragão, a legitimidade como herdeira do trono de ferro para o homem pelo qual está apaixonada, e aliados importantes e próximos ao coração como Jorah (Iain Glen) e Missandei (Nathalie Emmanuel).
É uma rota capaz de desestabilizar qualquer um. Dany percebe também que não é capaz de suscitar o mesmo entusiasmo de Jon Snow, o que já desperta movimentação política em seu entorno. São circunstâncias muito similares àquelas que patrocinaram a ruína de seu pai Aerys II, conhecido como o Rei Louco e assassinado por Jaime Lannister (Nikolaj-Coster Waldau).
É narrativamente corajoso pegar um personagem construído como herói e subverter a percepção sobre ele e “Game of Thrones” é constantemente elogiada por suas decisões corajosas – e as reflexões ensejadas por essas escolhas não ficam atrás.
Nesse sentido, o trabalho de desconstrução de Dany é diametralmente oposto ao que podemos chamar de reconstrução de Jaime, justamente um personagem que começou a série como um vilão clássico e odioso e despede-se dela com uma percepção do público sobre ele bem diversa daquela do início.
Feminismo
É incorreto acusar a série de misógina por conta dos rumos de Daenerys. Ora, as personagens mais complexas e com melhor curva de evolução dramática na série são femininas. E a própria Daenerys é exemplar dessa condição. O que ocorre fundamentalmente nas redes sociais é uma incompreensão dos objetivos dramáticos e narrativos da produção, na larga escala, mas também em termos de estudo de personagem.
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“Game of Thrones” sempre ecoou o mundo moderno pela ferocidade e inteligência com que articula conflitos e personagens. Não seria subscrevendo aos ditames da correção política que vigora na atualidade que faria melhor.