“Game of Thrones” é o maior fenômeno da televisão, mas falta da referência dos livros gerou conflitos narrativos e diminuiu a qualidade do texto
Quando “Game of Thrones” estreou em 2011, os livros no qual a série se baseava não eram tão conhecidos. O primeiro deles havia sido lançado em 1996 e as quatro sequências foram publicadas nos 15 anos seguintes. O que deixa claro que o autor da história, George R. R. Martin não tem pressa para terminar “As Crônicas de Gelo e Fogo”.
Prova disso é que, nove anos depois da estreia de “ Game of Thrones ”, o autor ainda não lançou mais nenhum livro, e não tem previsão de concluir a saga. Sendo assim, a série eventualmente perdeu a referência das publicações e criou novas histórias do zero, mesmo que Martin mantenha uma boa relação com os criadores da produção.
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“Festim dos Corvos” e “Dança dos Dragões”, quarto e quinto livros das crônicas, servem como referência para a quinta temporada (e parte de “Festim” para a quarta), mas a partir daí a série toma rumos próprios. E é nesse ponto que a produção começa a ter problemas narrativos. George R.R. Martin é muito detalhista na maneira de descrever as cenas, e também muito moroso no ritmo das histórias, e isso afetou como a série se desenvolvia.
A principal diferença – e que não necessariamente atrapalhou a série – foi a mudança de ritmo. Nas primeiras temporadas vimos muitos personagens levando vários episódios para ir de um lugar a outro. Arya (Maisie Williams) e o Cão (Rory McCann) levam uma temporada inteira para chegar até as Gêmeas, enquanto Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) e Brienne (Gwendoline Chrstie) passam quase duas temporadas andando por Westeros até conseguirem retornar a Porto Real.
No sexto ano, já sem os livros como referência, quando ele deixa a capital para lutar com os Tully, não existe nem uma cena que mostre o caminho. Para a série, isso é bom e oferece mais tempo para desenvolver os conflitos. Mas essa solução acabou criando algumas inconsistências difíceis de aceitar.
Na sétima temporada, por exemplo, Jon (Kit Harrington) retorna para a Muralha com a intenção de capturar um Caminhante Branco, só para ser encurralado por eles. Ele faz Gendry (Joe Dempsie) retornar a Muralha e mandar um corvo para Daenerys (Emilia Clarke). No período de algumas horas, Gendry chega a muralha, manda um corvo para o outro lado do país, e Daenerys aparece com três dragões.
A cena foi celebrada, e não à toa. Dany finalmente vê os mortos, seu dragão acaba transformado, sua relação com Jon se torna mais íntima e ele acaba se ajoelhando para ela. Mas, o ritmo como aconteceu não parece só apressado, mas também mal feito. Parece que os autores (esse episódio é escrito apenas pelos criadores David Benioff e D.B. Weiss) deram a solução mais fácil, mesmo que fizesse menos sentido.
Personagens
No geral, D&D, como são chamados os criadores, são louváveis. Eles transformaram os livros de Martin em um fenômeno da televisão, que terá diversos spin-offs quando chegar ao fim. Mas, na etapa final, eles parecem menos inspirados, o que acaba tornando a série menos sofisticada.
Os diálogos são mais curtos, e algumas soluções simplificadas acabam afetando o desenvolvimento de alguns personagens, que foi cuidadosamente construído ao longo de muitos anos pela própria atração de TV.
O maior exemplo disso é a própria Daenerys. A herdeira Targaryen nem sempre tomou as melhores decisões, mas seu objetivo ao conquistar o posto de Rainha sempre foi ser justa e governar para o povo. Mesmo com eventuais atitudes equivocadas e muitas vezes usando de violência, Daenerys era complexa, porém boa.
Nos dois primeiros episódios do oitavo ano , ela parece apenas gananciosa, superiora, insensível e desrespeitosa. Essas características, tão explícitas, não parecem combinar com a personagem. Em contraponto, Sansa (Sophie Turner) virou uma líder justa e coerente.
Todas essas construções fazem sentido se a série decidir mudar de rumo e tornar Daenerys a grande vilã, enquanto Sansa é apontada como uma possível governante dos Sete Reinos. Mas o desenvolvimento dessas histórias não se deu assim por sete temporadas – incitá-lo agora parece forçado.
Daenerys é a não queimada e repetiu isso à exaustão durante toda a série. Como, do nada, ela pede para “ser aquecida” por Jon? Não cola e não condiz com o que a série apresentou até aqui.
Isso se tornou um problema até para Martin e alguns atores. Lena Headey, por exemplo, não gostou da decisão da sua personagem de dormir com Euron Greyjoy (Johan Philip Asbæk) e chegou a questionar Dan e D.B. Martin por sua vez admitiu que preferia que algumas coisas acontecessem como ele gostaria e não apoia todas as mudanças na série.
Essas falhas narrativas não tiram o prestígio nem diminuem os feitos alcançados por “ Game of Thrones ”. Mas com certeza descem um degrau na qualidade da série e acabam deixando um gosto levemente amargo na produção que nem sempre quis agradar, mas sempre foi sinônimo de TV com qualidade.