Em um barzinho, Rita (Tatá Werneck) avisa, em seu primeiro encontro, que é traumatizada porque o pai deixou a casa quando ela era pequena. Na outra mesa, Enzo (Eduardo Sterblitch) diz à potencial parceria que seu talento na vida é identificar links com vírus. Tão sinceros quanto sem noção, os dois protagonistas de "Shippados" acabam se conhecendo após serem abandonados pelos respectivos dates.
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No entando, é só no fim do primeiro episódio de “ Shippados ” que os personagens de Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch consideram uma ideia inusitada: se relacionar com alguém que conheceram pelo acaso, e não em um aplicativo de namoros.
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Disponível a partir desta sexta-feira (07) no Globoplay, a comédia romântica é assinada por Fernanda Young e Alexandre Machado. Casados e trabalhando juntos há 25 anos, o casal conta que a trama surgiu da vontade de fazer algo que falasse com a geração das suas filhas mais velhas, as gêmeas Cecilia Madonna e Estela May, de 18 anos.
"Nada pior do que uma geração falando de outra e dando tiro n’água. Então, a gente se afinou muito com o olhar delas, sem julgar e criticar", afirma Alexandre, que só viu o episódio piloto depois das filhas, que leram os roteiros e acompanharam as gravações.
"É espetacular termos sido aprovados por elas. Porque aqui em casa a honestidade e a sinceridade são quase uma deficiência cognitiva", ironiza Fernanda.
Embora a premissa da série seja mostrar como a tecnologia afeta a dinâmica dos relacionamentos, Fernanda defende que os personagens da comédia não se comportam de uma forma única diante da vida contemporânea. Além dos protagonistas Rita e Enzo, o título ainda conta com os casais Valdir (Luis Lobianco) e Brita (Clarice Falcão) e Hélio (Rafael Queiroga) e Suzete (Júlia Rabello).
"Cada personagem é um elemento único, não tem a noção de que essa geração está robotizada. Eles têm vidas emocionais diferentes", afirma.
Diretora artística da série, Patrícia Pedrosa explica que uma das preocupações da série foi encontrar atores capazes de mergulhar fundo nas idiossincrasias dos personagens. Enquanto Tatá foi reservada de primeira hora, por sugestão de Silvio de Abreu, diretor de dramaturgia da Globo , as demais escolhas foram feitas ao longo de quatro meses de testes.
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"Rita e Enzo são muito autênticos. As pessoas vão ver a Tatá e o Edu em lugar diferentes de onde eles estiveram. E temos que lidar com a quebra de expectativa do público", afirma.
Novo "Normais"?
Assim como “Shippados”, o maior sucesso de Young e Machado na televisão, “Os normais” (2001-2003), também apostava em uma dupla carismática tentando lidar com relacionamentos na vida moderna. As semelhanças, no entanto, param por aí. Com maior carga dramática, a nova trama investe menos em tirar sarros de situações cotidianas e mais em investigar como seus personagens lidam com suas neuroses.
"Já ouvimos muito, 'por que vocês não escrevem um novo 'Normais''? Sempre dizíamos que era impossível fazer porque as coisas mudaram muito daquela época para agora. O normal hoje é a mudança constante. O costume passa a ser a falta de costume. Nem tentamos estudar o que é hoje o amor. É uma fotografia momentânea", acredita Alexandre.
Para Fernanda, a falta de “normalidade” é justamente um dos maiores trunfos dos jovens de hoje. “Você percebe uma naturalidade na esquisitice que alinha essa juventude. Antigamente, o esquisito disfarçava. Eles têm uma autoestima na esquisitice. Acho sensacional, porque os freaks podem agir naturalmente”, diz a roteirista.
Os dois ainda arriscam palpites sobre o que Rui (Luiz Fernando Guimarães) e Vani (Fernanda Torres) diriam se conhecessem Rita e Enzo.
"Acho que eles iam querer perguntar, mais do que dar conselho. Rui e Vani não iam entender direito porque Enzo e Rita demoraram tanto tempo pra transar, pra se beijar. Iam ficar meio pasmos diante da relação dos dois", diz Alexandre, que é completado por Fernanda:
"Pasmos, porém opinativos. Acho que a Vani iria propor que ela e o Rui tivessem um perfil compartilhado em redes sociais, o que obviamente ia dar muita merda", diverte-se.
Fora da ficção, outra mudança provocada pela tecnologia desde os tempos de Rui e Vani foi a forma de se ver TV. Para Alexandre, a passagem para o streaming mexeu com a forma de se contar histórias na televisão.
"Há uma nova teledramartugia com esse boom do streaming. Hoje, o público que gosta de série exige uma narrativa mais focada em silêncios, em pequenas coisas que há dez anos seriam consideradas até erradas dramaturgicamente falando", diz ele.
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"Quando você faz série para a TV aberta, fica preocupado porque a pessoa não pode mudar de canal. Então é história, história e história. Já o streaming te permite essa dilatação dos tempos", complementa Patricia.