Um emocionado reencontro com a Avenida é aguardado para esta noite de abertura dos desfiles das 12 escolas do Grupo Especial, depois de dois anos sem carnaval e um adiamento por conta da pandemia. É hora do folião abrir os pulmões e cantar "carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim", como diz a letra do samba-enredo da Viradouro, a penúltima das seis agremiações que vão atravessar a Sapucaí nesta sexta-feira. Nos próximos dois dias, o Sambódromo será palco de exaltação à cultura e personalidade negras, como nunca vistos. Mas, já desde hoje, o grito de resistência e contra o preconceito racial estará vai ecoar entre alas e alegorias de escolas como a Beija-Flor e Salgueiro. Mangueira homenageia três personalidades negras que estão ligadas à sua história: Cartola, Jamelão e Delegado. Já a São Clemente vai marcar um ano de saudade do ator Paulo Gustavo, prometendo leveza, bom humor e muita alegria.
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Os desfiles começam às 22h e cada escola terá entre 65 minutos a 75 minutos para mostrar o seu espetáuclo. A abertura dos portões será a partir das 19h e será preciso apresentar comprovante de vacinação contra a Covid-19 para entrar na Sapucaí. Vale tanto o físico como o digital. A escola primeira a pisar na Avenida será a Imperatriz Leopoldinense que, marcando o seu retorno à elite do carnaval, vai reviver seus tempos de glória, com um desfile repleto de homenagens e referências, que vão do carnavalesco Arlindo Rodrigues, que deu os primeiros títulos à agremiação de Ramos em 1980 e 1981 ao patrono Luizinho Drummond, morto em 2020 ,e também à própria agremiação. O enredo "Meninos eu vivi… Onde canta o sabiá, onde cantam Dalva e Lamartine” é desenvolvido pela carnavalesca Rosa Magalhães, que volta após 11 anos à escola a qual deu cinco dos seus oito títulos
"A homenagem a Arlindo Rodrigues foi um antigo pedido do Luizinho Drummond, ao trazer a Rosa de volta para desenvolver esse trabalho. Então, a presidente Cátia Drummond decidiu realizar o último desejo do pai", disse Bruno de Oliveira, assistente da carnavalesca explicando que o enredo pretende mostrar a vida do cenógrafo e figurinista desde sua chegada no carnaval em 1960, no Acadêmicos do Salgueiro, e os títulos para a verde e branco de Ramos, tudo isso retratado em tons poético e retrô, com as cores e a textura dos materiais utilizados pelo homenageado em fantasias e alegorias.
A Mangueira entra em seguida revisitando a sua própria história ao prestar homenagem a três grandes baluartes da verde e rosa “Angenor, José & Laurindo”, que entraram para a história do carnaval carioca como Cartola, Jamelão e o mestre-sala Delegado. O carnavalesco Leandro Vieira disse que a ideia do enredo surgiu durante a pandemia, por conta da saudade da escola e do convívio com a comunidade. Cada homenageado terá o seu setor específico, com referência a sua biografia. Leandro pede atenção especial ao segundo carro, que promete perfumar a Avenida e ser uma das boas surpresas da noite.
"Celebrar o Cartola, Jamelão e o Delegado é celebrar a própria Mangueira", afirmou o carnavalesco campeão pela escola em 2016 e 2019.
A terceira escola a entrar na Avenida, o Salgueiro trará 170 ativistas, artistas e intelectuais negros, entre eles a professora e escritora Helena Teodoro, para contar a luta do povo preto contra o racismo e pela preservação de sua história e religiosidade. O enredo Resistência, cujo símbolo é um punho cerrado, foi desenvolvido pelo carnavalesco Alex de Souza, que pretende mostrar como a formação identitária do carioca foi formada através das marcas culturais deixadas por escravos vindos da África.
"Faremos uma grande viagem pelo Rio, passando por todas as regiões, bairros e vamos ao longo do tempo, mostrando situações e localidades por toda cidade, seja na dança, na literatura, na fé, na música, além de uma homenagem ao próprio Salgueiro que sempre deu destaque a negritude", explicou o carnavalesco, acrescentando que a escolha a escolha do tema surgiu após a comoção mundial com a morte do americano George Floyd, assassinado por um policial branco e os protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
O Salgueiro trará ainda uma ala com 20 refugiados, de cinco nacionalidades diferentes, que moram no Rio, através de uma parceria com Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). São pessoas cindas de Angola, Marrocos, República Democrática do Congo, Síria e Venezuela.
O desfile da São Clemente promete ser um dos mais estrelados da Sapucaí, neste ano, na homenagem ao ator Paulo Gustavo, morto em maio do ano passado em decorrência da Covid-19. Mais de 60 artistas já confirmaram participação, entre amigos e atores que trabalharam com o humorista, como Marcus Majella, Catarina Abdalla, Ingrid Guimarães, Tatá Werneck, Susana Garcia e Monica Martelli, entre outros. A Mãe do homenageado, dona Déa Lúcia e familiares virão no abre alas, logo no começo do desfile. O viúvo do comediante, Thales Bretas, virá num carro específico. O diretor de carnaval da agremiação Thiago Almeida, disse que, um ano após a morte do artista, a homenagem será com bastante leveza e para cima.
"Vai ser para cima. Do jeito que ele transmitia as mensagens dele a escola vai transmitir também o seu desfile", disse o diretor de carnaval.
Penúltima escola a entrar na Avenida, a Viradouro vem com muito lirismo buscar o bicampeonato. O enredo "Não há tristeza que possa suportar tanta alegria" traça um paralelo entre o carnaval de 1919, o primeiro pós-gripe espanhola, e o atual, prejudicado pela pandemia do novo coronavírus. A proposta dos carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira é traçar um paralelo sentimental entes as duas pandemias, mostrando as incertezas e a importância do carnaval para socializar as pessoas. Um dos pontos altos do desfile é o samba-enredo em formado de uma carta apaixonada de um Pierrô para o Carnaval.
Um dos carnavalescos da escola, Tarcísio Zanon conta que boa parte da pesquisa para o desenvolvimento do enredo foi baseada no livro "O carnaval da guerra e da gripe", de Ruy Castro. Mas também se buscou muita inspiração em jornais e revistas do fim da década de 1910, como O Tico-Tico e a Revista Fon Fon.
"A Biblioteca Nacional abriu seu acervo na internet durante a pandemia. E tivemos acesso a todas essas publicações da época, onde encontramos histórias incríveis", diz Tarcísio, contando que as fake news e soluções mágicas (e não comprovadas) contra a gripe espanhola também serão mostradas no desfile. "A caipirinha, por exemplo, surgiu como um xarope contra a doença. Acreditava-se que a canja de galinha também era uma espécie de remédio. A galinha, então, ficou em alta, granjas foram assaltadas... Para ironizar essa história, no carnaval de 1919 foliões desfilaram no Bloco das Cocotas Emplumadas. Vamos contar essas histórias".
Já a azul e branco de Nilópolis fecha a noite também abordando o racismo com o seu "Empretecer é ouvir a voz da Beija-Flor", cujo samba bota o dedo na ferida da violência contra o povo preto, ao lembrar das balas de fuzil que matam jovens negros. Dentro dessa sua temática a escola convidou Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, que foi preso injustamente ao sair de casa para comprar pão, em fevereiro, na favela do Jacarezinho. A proposta do carnavalesco Alexandre Louzada é resgatar personagens pretos e seus grandes feitos para a sociedade e que foram apagados para os colonizadores europeus. A ideia é dar destaque à verdadeira história dos negros, com seus personagens, na luta contra o preconceito, mostrando que ainda há muita desigualdade a ser vencida.
"É um desfile que tem dedo na ferida, sim. Nas alas coreografadas, encenações vão acontecer para lembrar momentos importantes", conta Louzada.
Os desfiles prosseguem neste sábado com a Paraíso do Tuiuti, Portela, Mocidade, Unidos da Tijuca, Grande Rio e Vila Isabel.