Na segunda noite de desfiles da Série Ouro, o grupo de acesso do carnaval carioca, as tradicionais escolas Estácio de Sá e Império Serrano foram as que mais levantaram o público da Marquês de Sapucaí. Enquanto a vermelho e branco apostou num enredo exaltando o Flamengo , a verde e branco de Madureira levou para a Avenida a história de Manoel Henrique Pereira, capoeirista baiano conhecido por Besouro Mangangá. Os desfiles da Unidos de Padre Miguel e da Acadêmicos de Vigário Geral, que abordou a violência contra a população negra , também animaram as arquibancadas.
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Ao contrário da primeira noite, quando as escolas entraram com quase uma hora de atraso devido a um atraso na montagem de estruturas da Sapucaí, os desfiles começaram pontualmente às 21h. Todas as escolas conseguiram cumprir o tempo determinado para atravessar a Avenida, de 45 a 55 minutos. Mais uma vez, o passaporte vacinal, obrigatório para acesso ao Sambódromo, não foi exigido nas bilheterias mesmo após notificação da prefeitura.
Mesmo após o acidente em que u ma menina de 11 anos teve uma perna amputada após ficar presa entre estrutura e poste na noite anterior, a dispersão de carros alegóricos na Sapucaí não teve escolta ou segurança, contrariando decisão judicial emitida na sexta-feira.
“Mengo, mengo, mengo”
Terceira escola a entrar na Marques de Sapucaí nesta segunda noite de desfiles da Série Ouro, o grupo de acesso do carnaval carioca, a Estácio de Sá voou alto na Avenida — literalmente. Reeditando um samba-enredo de 1995 com homenagem ao Flamengo, a agremiação trouxe, na comissão de frente, uma camisa rubro-negra estilizada que, com a ajuda de um drone, decolava sobre os integrantes. A inovação animou o público, que recebeu a escola aos gritos de "Mengo! Mengo! Mengo".
A camisa voadora foi elaborada durante cinco meses por uma empresa especializada em solução com drones. De acordo com os idealizadores, o objetivo era mostrar, com os voos, que o "manto sagrado" consegue jogar sozinho.
"Esse é um conceito do Nelson Rodrigues, que dizia que daqui a pouco a camisa rubro-negra jogaria sozinha. E olha que ele era tricolor. Ela (a camisa) tem vida própria, e os atletas se vestem no vestiário enquanto ela está na Sapucaí, já jogando", contou Thiago Ribas, da empresa My View, resumindo a performance da comissão de frente.
A reedição do samba-enredo "Cobra-coral, papagaio-vintém #vestirubrunegro não tem pra ninguém", que sofreu pequenas alterações para retirar menções ao centenário do clube, comemorado no ano da primeira passagem, levantou as arquibancadas, que exibiam várias bandeiras do Flamengo. Mesmo antes do início do desfile, a mera menção à escola pelos alto-falantes já era o suficente para garantir muitos aplausos.
"Flamengo e Estácio vai dar samba. A gente que é rubro-negro vê isso como uma belíssima homenagem", elogiou o lateral Léo Moura, ex-jogador do time da Gávea.
As menções ao Flamengo, claro, estavam em todo lugar. Desde os "sósias" de jogadores convidados a desfilar — versões genéricas de Bruno Henrique, Arrascaeta, Gabigol, Ronaldinho Gaúcho e vários outros — até alas e fantasias, quase todas em preto e vermelho.
Mais drones
A empolgação da arquibancada com o desfile da Império Serrano, principalmente do setor 1, contagiou quem assistia a última escola a desfilar nesse segundo dia da Série Ouro. Com bandeiras da verde e branco de Madureira, o público gritava “é campeã”. A plateia foi a loucura quando um drone sobrevoou o setor 3. As fantasias, estampas das baianas e da bateria foram outro ponto de destaque no desfile.
A dona de casa Vera Lúcia Pinho Moreira, de 60 anos, sai como baiana na Império Serrano há 10 anos. Ela acredita que sua escola de coração vai ser a campeã deste ano.
"Se Deus quiser, vamos para as cabeças e, no ano que vem, vamos passar aqui pelo Grupo Especial", comentou.
A empresária Andréa Martins, musa da escola, apareceu como Iansã. Conhecida como a Musa das Pinturas, a beldade contou que no último carnaval, em 2020, rompeu sua prótese de silicone do bumbum ao final do desfile da Unidos de Padre Miguel, onde saía, e teve que ficar com o item com problemas por 10 meses. Hoje, ela comemora a recuperação e destaca que a “Império vem para ganhar”.
"A sintonia da bateria tem uma batida diferente. Além disso, a garra da comunidade vai fazer que sigamos para o Grupo Especial".
Se depender da empolgação da torcida, a Unidos de Padre Miguel, também segue como uma das favoritas ao acesso. Escola da Vila Vintém, na Zona Oeste, a agremiação foi a quinta a desfilar e levou para a Avenida o enredo “Iroko é tempo de Xirê”, que conta a história da Árvore-Orixá ao terreiro sagrado do boi vermelho. A comissão de frente, que representava os “guardiões do tempo”, foi um dos destaques da noite.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira, Vinicius Antunes e Jessica Ferreira, vieram com fantasias representando o sopro da criação. Após o desfile, o carnavalesco Edson Pereira comemorou a passagem da Padre Miguel pela Avenida.
"A missão foi cumprida. Fizemos o nosso melhor e independente do resultado, chegamos aqui depois de dois anos de pandemia. Agora, é só aguardar. Mas, fizemos um belo desfile", comentou o carnavalesco.
"Vidas negras importam"
Sexta escola a desfilar no segundo dia dedicado à Série Ouro, espécie de segunda divisão do carnaval carioca, a Acadêmicos de Vigário Geral passou pela Avenida relembrando vários casos de mortos pela violência, sobretudo no Rio. Com um enredo sobre a Pequena África, localizada na região central da capital fluminense e porta de entrada para escravizados trazidos da África, a escola enumerou vítimas negras de operações policiais ou outros episódios de brutalidade.
No momento final da apresentação, os dançarinos da comissão de frente revelavam placas com referências a esses episódios, em meio à expressão "vidas negras importam", popularizada por conta do movimento "Black lives matter". Entre esses casos, estavam, por exemplo, o do congolês Moïse Kabagambe, de 21 anos, espancado até a morte em um quiosque da Barra da Tijuca, e o da menina Ágatha Felix, atingida por um tiro de fuzil aos 8 anos durante uma operação policial no Complexo do Alemão.
Também foram lembrados Cauã da Silva, baleado fatalmente em Cordovil há apenas duas semanas, e Cláudia Ferreira, arrastada por cerca de 300 metros por uma viatura da PM em 2014. Um dos episódio fora do Rio citados pela escola foi o de Moa do Katendê, mestre de capoeira morto em Salvador em 2018, após uma discussão sobre política.
"Queremos mostrar a valorização do negros. Mas também questionar: será que mudou tanta coisa? Apesar das conquistas, será que não é preciso evoluir ainda mais? No último carro, colocamos policias militares para mostrar que as operações policiais só acontecem na favela. Você não vê a polícia metendo o pé na porta de morador da Zona Sul', criticou Marcus do Val, um dos carnavalescos da agremiação.
O carro citado por Marcus representava uma favela e também trazia várias referências à violência policial nas comunidades. Além de integrantes representando policiais, havia até mesmo um componente soltando pipa sobre a alegoria, que acabou emperrando em frente ao setor três, abrindo um buraco em frente a uma das cabines dos jurados.
Abrindo o segundo dia de desfiles da Série Ouro, a Lins Imperial entrou na Marquês de Sapucaí pontualmente às 21h. Com um enredo em homenagem ao humorista e músico Antônio Carlos Bernardes, o ex-integrante do "Originais do Samba" eternizado como Mussum, a bateria da campeã do Grupo Especial da Intendente Magalhães do último carnaval levantou o público do setor 1 assim que entrou na Passarela.
Pela primeira vez na história, a Lins Imperial entrou na Avenida com um rei de bateria, Johnathan Avelino. Com uma batucada afinada e letra de fácil compreensão, os integrantes da escola não pararam de cantar, sendo acompanhados pelo público.
Uma imponente águia nas cores da escola se destacava no carro abre-alas da verde e rosa, cujo samba buscou explorar todas as faces de Mussum: desde o lado partideiro até o lado 'palhaço' do ex-trapalhão.
Segunda escola a desfilar, a Inocentes de Belford Roxo levou para a Sapucaí um enredo explorando uma tradição do carnaval pernambucano: “A meia-noite dos tambores silenciosos”, uma cerimônia de sincretismo religioso realizada em Recife há mais de 60 anos.
No desfile da tricolor, as referências à ancestralidade negra e ao maracatu eram evidentes em quase todas as alegorias. Apesar do belo desfile, o que mais chamou a atenção do público foi Lorrany Cristine, musa da escola que atravessou a Passarela grávida de 8 meses.
"Foi muito emocionante. Estou muito feliz, muito realizada. Comecei na escola com seis anos, na ala mirim, e poder estrear na Avenida grávida, depois de dois anos sem carnaval, é muito especial. Foi tranquilo desfilar, deu para acompanhar a bateria. Ela já vai nascer com samba no pé", disse Lorrany, que homenageou a filha com o seu nome, Alice, escrito na barriga.
A luta contra o racismo estrutural e a gloriosa carreira artística de Milton Gonçalves. A Acadêmicos de Santa Cruz, quarta escola a desfilar no segundo dia da Série Ouro, apostou numa homenagem a história de vida do ator e diretor mineiro para tentar garantir o primeiro lugar e chegar ao Grupo Especial no ano que vem.
Quando o relógio marcava 0h20, assim que a agremiação da Zona Oeste entrou na Sapucaí com o enredo "Axé Milton Gonçalves! No Catupé da Santa Cruz", a torcida do setor 1 levantou suas bandeiras e passou a gritar o nome da escola.
"Depois de dois anos sem carnaval, se tem alguém homenageável, essa pessoa se chama Milton Gonçalves do Brasil. Nosso mestre", disse o ator Sérgio Loroza.
A escola investiu em carros alegóricos coloridos e luminosos. Enquanto a bateria da Tabajara do Samba sacudia o público, o morador de Santa Cruz, Douglas Ramos, acompanhava a letra de cor do início ao fim: — Tenho 31 anos e sou Santa Cruz desde que me conheço por gente e desfilei nela por 17 anos. Amo essa escola e as alegorias estão lindas. A escolha do samba também foi excelente: é sempre bom homenagear artistas negros, tão fundamentais para a cultura desse país.
"Livre, o samba faz escola. Manifesto no terreiro: sou quilombola!". O verso entoado com tanto vigor pelos desfilantes da Império da Tijuca resume o que a escola do Morro da Formiga veio mostrar na Passarela do Samba: a resistência do povo preto e das escolas de samba.
Com o enredo "Samba de Quilombo: a Resistência Pela Raiz", o "Primeiro Império do Samba" quis deixar clara sua posição contra o processo de mercantilização e enbranquecimento das agremiações.
"O samba nasceu com Candeia, Tia Ciata. O samba é preto e nossa escola veio reforçar nossas raízes e o nosso lugar. É na ancestralidade dos batuques que se manifesta a luta por liberdade e autonomia do povo preto", disse Cinnara Leal, uma das 14 atrizes negras que abriram o desfile da escola tijucana, a penúltima a atravessar a Marquês de Sapucaí.