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Diante do desaparecimento da imprensa tal qual a conhecíamos – da iminente e inevitável transformação de seu formato, seu modelo de negócio e seus circuitos de distribuição –, chamam atenção o fascínio e a influência que a revista ainda exerce sobre o mundo da arte. Prova disso é que, mesmo com o arrefecimento da publicidade como meio de sustentabilidade de 9,9 entre 10 periódicos do mundo, a norte-americana ArtForum continua a surpreender com suas cerca de 100 páginas mensais de anúncios, todas provenientes do sistema de arte.

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Revista
Reprodução/Select

Capa do número 1 da Traço, revista da SP Arte

No contexto menos favorecido da economia e do mercado de arte brasileiro, no ambiente devastado de bancas de jornais invadidas por traquitanas e gadgets (como o profético Nelson Leirner bem havia previsto), a resistência da revista de arte – como esta que felizmente o leitor tem em mãos –, também não deixa de surpreender. Talvez esse mesmo fascínio e essa mesma resiliência expliquem o aparecimento recente de revistas editadas por instituições e feiras de arte.

A vontade que as feiras e as galerias de arte têm de vestir um figurino institucional fez, por exemplo, com que a SP-Arte rejeitasse o título com o qual construiu uma identidade sólida na engrenagem econômica do sistema de arte – a de feira –, para se autonomear um festival. Ou então abandonasse o catálogo como suporte de registro de suas edições anuais para encampar o desafio de lançar uma revista – de periodicidade anual, se supõe –, que terá o “compromisso com a criação de materiais críticos que se debruçam sobre a arte e suas reverberações”, segundo a editora Barbara Mastrobuono, no editorial do nº 1 da traço , a revista da SP-Arte.

Para levar a cabo o compromisso de ser crítica, busca-se dar um tiro certo chamando a colaborar, por exemplo, Moacir dos Anjos, crítico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife. Dos Anjos escreve na abertura de seu texto que “não escapa aos visitantes mais assíduos que as exposições de arte tenham se tornado mais e mais extensas ao longo dos anos”. Refere-se ele à extensão de tempo necessária para ver as exposições por completo, e também a uma produção artística que solicita a desaceleração dos sentidos. Ele fala de projetos como a Clínica Pública de Psicanálise, parceria entre a artista Graziela Kunsch e o psicanalista Daniel Guimarães, e do trabalho ativista e pedagógico do Coletivo Amò na Lanchonete<> Lanchonete, no bairro do Valongo, no Rio. Dois projetos marcadamente antimercadológicos que se dirigem a “corpos excluídos do ambiente democrático” e que demandam mais tempo para ser fruídos.

Você viu?

Ora, a colocação desse texto e desses trabalhos na revista de um evento de cinco dias de duração não deixa de ser anacrônica. Um dissenso. Faz pensar se a origem do interesse da SP-Arte em editar seu catálogo em forma de revista não estaria justamente na vontade de expandir seus limites. Faz pensar ainda em como a insaciabilidade de poder impele uma feira de arte a buscar ocupar todas as instâncias do sistema de arte contemporânea. Inclusive o lugar da crítica.

Ousadias, ambições e deslimites à parte, a traço cumpre a função de prolongar para o espaço do papel (aquele que fica para a posterioridade) as experiências proporcionadas pelo evento relâmpago. O foco que a feira deu à América Latina em sua 15ª edição, em abril último, vê-se refletido no artigo da argentina Maria Angélica Melendi, e o segmento de design que acontece no terceiro andar do Pavilhão da Bienal se vê desdobrado em duas matérias.

Em pleno “momento histórico de sobrecarga de informações” – como coloca Mastrobuono em seu editorial –, vimos surgir no mesmo mês de abril a Pivô Revista . Reverberar e difundir os conteúdos críticos acalentados no bojo institucional do Pivô, espaço artístico localizado no Edifício Copan, em São Paulo, assim como em “importantes eventos e exposições que ocorrem em São Paulo”, é o intuito das editoras Camila Bechelany e Fernanda Brenner. Aqui também está em jogo o irrefreável impulso de expandir a efemeridade da arte e da vida para as páginas de papel.

A primeira edição da Pivô Revista , que não tem periodicidade definida (pode ser anual ou semestral, de acordo com as editoras), tem como núcleo duro a elaboração das experiências que nasceram a partir do programa Pivô Pesquisa – definido como um grande espaço livre de paredes para 15 ateliês rotativos. Três textos dedicam-se ao tema das residências artísticas.

Pivô Revista
Reprodução/Select

Capa da nº 1 da Pivô Revista

Mas é a “carta aberta” que Luiza Proença escreve sobre o curador mediador que propõe uma questão que interessa ser pontuada na conclusão desta análise. Ao fim de um questionamento sobre quem é efetivamente o publico da arte – segundo ela, normalmente tratado como “uma massa homogênea e abstrata de receptorxs desprovidxs de singularidades” –, ela faz uma pergunta essencial para quem faz, trabalha e pensa sobre arte: “Será que conversamos apenas com os nossos pares?”

O intuito da Pivô Revista , segundo expõe o editorial, é “criar outro tipo de vínculo entre pessoas”. Mas que pessoas? O fato de a revista ser feita e distribuída para as redes locais e internacionais do Pivô reforça que a resposta para a pergunta de Proença é: sim, o intuito é “criar novas conexões entre agentes de nossa própria cena artística”.

A resposta que o editorial da Pivô Revista dá à pergunta formulada por sua colaboradora inspira outra questão. Se a revista é um veículo através do qual se fala, se escuta e se dialoga com esse receptor impreciso que é o público da arte (e um meio de estabelecer relação com a diferença e com repertórios que estão além de sua zona de conforto), o que será exatamente que as estruturas institucionais da arte estão buscando ao lançar suas revistas?

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