“Nunca vai acontecer. É impossível as pessoas se interessarem pela história do Simonal”. Foi isso que Max de Castro, filho do cantor, ouviu de conhecidos em 1999 a respeito do legado de seu pai. Vinte anos depois, Simonal já ganhou uma biografia, um documentário, um musical, uma turnê especial e, a partir desta quinta-feira (08), um filme protagonizado por Fabrício Boliveira.
Wilson Simonal de Castro foi um artista pioneiro. O primeiro a assinar um grande contrato publicitário com uma multinacional, abriu sua própria gravadora e ganhou o próprio programa de TV. Tudo isso dentro de um gênero musical dominado por brancos. Mas, até 20 anos atrás ele era mais conhecido como “dedo-duro”, um informante da ditadura.
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Essa alcunha destruiu sua reputação, o distanciou de outros artistas e o relegou a coadjuvante na história da música nacional. A família, porém, tem se dedicado a mudar isso e relembrar os talentos artísticos do cantor , que morreu em 2000, esquecido pelo público.
“O Simonal que eu queria mostrar é esse guerreiro que, apesar de todas as adversidades, continuou até o fim da vida batalhando para contar a história dele, a versão dele, o que tinha acontecido”, explica o diretor Leonardo Domingues.
Embora por vezes o longa se esqueça de priorizar seu talento, desenvolvendo a narrativa que vai justamente “explicar” o incidente que deu a fama de dedo-duro a Simonal, é incontestável a quantidade de hits que ele produziu em seus anos mais frutíferos. Max acredita que é justamente o lado humano que faz do filme diferente de outros produtos sobre o artista: “As pessoas ficam muito discutindo se o Simonal era direita ou esquerda, mas tem um lado humano, como isso refletiu na nossa família e as pessoas tem que fazer essa reflexão”, acredita.
A história não contada
Durante os anos da ditadura, enquanto tinha a própria gravadora, Simonal enfrentou problemas financeiros. Na época, culpou o contador e o demitiu, gerando um processo trabalhista. Para se “livrar” do problema, chamou um conhecido que trabalhava para o DOPS (Departamento de Ordem e Política Social) e pediu para que desse um “susto” no contador. O resto é história: a mídia divulgava a informação como se Simonal tivesse entregado um suposto integrante de grupo comunista para o DOPS.
No documentário “Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei”, os diretores Micael Langer, Calvito Leral e Cláudio Manoel resgataram o legado artístico do cantor, depois que Max e Simoninha , também filho de Simonal, digitalizaram sua obra. Leonardo Domingues trabalhou na pós-produção e percebeu que a história do artista poderia virar uma ficção.
“Em algum momento durante o documentário eu fiquei sabendo a história por trás de tudo que eu sabia na infância, o que realmente tinha acontecido com o Simonal, e foi uma grande revelação”, conta Leonardo.
Ele então manteve contato com os irmãos, que eventualmente se envolveram com o filme na produção da trilha. “Eles trouxeram muito na escolha das músicas, a formação das bandas, colaboraram muito nas etapas”, acrescenta. Mas Leo aponta para o fato de que os dois deram total liberdade para que Leo desenvolvesse a narrativa ao lado de Victor Atherino. “A intervenção deles foi artística e musical”.
Com isso, Leonardo priorizou, além da carreira de Simonal, sua vida pessoal e a relação com Tereza Pugliesi, vivida pro Isis Valverde. Momentos íntimos do casal, como quando Tereza toma um coquetel de remédios, ou as muitas amantes de Simonal, não ficaram de fora. “É o preço que a gente paga por ser filho do Simonal”, acredita Simoninha.
O cantor, que assim como Max seguiu os passos do pai na música, não só aprovou o filme como se emocionou com a perspectiva adotada: “eu me emociono muito nas cenas com a minha mãe, porque é um lado que normalmente a gente não vê retratado. Às vezes até me emociona mais do que o ponto de vista do Simonal, porque é algo que eu estou menos acostumado a lidar”, confessa.
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Extremos
Ver o pai cair no esquecimento, quando seu trabalho artístico está entre os maiores da música brasileira no século XX, fez a família analisar que há mais do que o certo e errado, do que as opiniões extremas que baniram Simonal do meio artístico com mais rapidez do que a ergueram. “A gente fala muito dessa dicotomia que tem hoje em dia, dessa divisão que tem no país, mas a gente esquece também que é um momento que a gente esta falando sobre racismo, questão de gênero, papel da mulher. E o filme passa por tudo isso, é importante a gente debater esses assuntos”, acredita Max.
Curiosamente, o Brasil vive hoje um momento de extremos similar ao período do filme. “O filme está sendo lançado num momento que o Brasil se encontra de novo totalmente dividido, e as pessoas estão muito violentas”, opina Simoninha. Para ele, esse cenário dificultaria, mesmo nos dias de hoje, a defesa de seu pai sobre o ocorrido.
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“O filme acontecer nesse momento traz uma reflexão. Claro que cada momento tem suas peculiaridades, em muitos aspectos a gente evoluiu, mas está vivendo um momento que de muitas formas é semelhante, aquele momento do Simonal ”, finaliza Simoninha.