É muito claro que o segundo ano de "O Mecanismo"
muda o tom e o ritmo na abordagens dos conflitos inerentes à Operação Lava Jato, cujos bastidores são dramatizados na série da Netflix. Mas depois do forte barulho provocado por certas liberdades narrativas no primeiro ano, causa certa surpresa a maneira como a segunda temporada se constrói.
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Muita gente vê na evolução dramática desses novos oito episódios uma mea culpa de Padilha, afinal, ele ilumina toda uma engendragem para derrubar Dilma, encarcerar Lula e manter o mecanismo em funcionamento. Pode até ser, mas a série assume o discurso de golpe?
A resposta pode ser mais complexa do que um sim ou não. Existe um norte narrativo que não pode ser desprezado nessa análise e ele dá respaldo ao que se vê no segundo ano. Padilha entende toda a classe política como imoral e corrupta e constrói todo o seu raciocínio sobre esse anagrama conceitual.
É nesse contexto, que a série perpassa a tese do golpe. Há reuniões frequentes entre os personagens inspirados no ministro do STF Gilmar Mendes, no então presidente da Câmara Eduardo Cunha, no então vice-presidente Michel Temer e no então senador Aécio Neves em que eles articulam maneiras de usar os rumos da Lava Jato em benefício próprio.
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A série também muda a retratação das figuras de Lula e Dilma, que surgem mais como vítimas das circunstâncias do que como algozes da coisa pública, algo mais tangenciado no primeiro ano. A opção por esse olhar na representação reforça a perspectiva de que a produção entende na movimentação política que aconteceu naquele momento histórico um golpe.
A articulação das ideias e dos personagens, no entanto, em momento algum dão conotação ideológica a essa movimentação, o que fragiliza a percepção de mea culpa de Padilha. Afinal, a engrenagem aqui denunciada pela produção visa a manutenção de um esquema ílicito com diversas ramificações nos setores público e produtivo do País.
A suavização na retratação das figuras de Lula e Dilma , por seu turno, podem apenas atender a demandas narrativas de iluminar outros personagens dessa extensa gama de mocinhos, vilões e uma cambada de personagens que trafegam na zona mista.
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"O Mecanismo" pode até ter perdido um lastro de qualidade em seu segundo ano, mas não abriu mão de suas convicções e a maior delas, justamente aquela que encontra eco na audiência, é de que político no Brasil não presta.