Diretor de "Excelentíssimos" (2018), que acompanha os bastidores do processo de impeachment de Dilma Rousseff, Douglas Duarte acusou a equipe de um outro documentário sobre o mesmo tema de "estudar" suas ideias para obter vantagem.
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O filme em questão é "Democracia em vertigem", de Petra Costa , uma produção original da Netflix que estreou esse ano no Festival de Sundance, em competição. Ainda não há data de lançamento no Brasil.
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Em post publicado nesta segunda-feira no Facebook, Duarte alega que Daniela Capelato, roteirista de "Democracia em vertigem", obteve uma cópia digital de seu filme em novembro de 2018 com a intenção de "estudar sua montagem, materiais e roteiro" justamente durante a finalização da obra de Petra Costa. Daniela nega.
"Fiquei muito surpresa, porque Douglas não entrou em contato comigo antes de recorrer ao tribunal da internet. É claro que não vi com segundas intenções o filme dele, que, aliás, é excepcional", afirma Daniela Capelato.
Daniela confirma ter obtido a cópia digital de "Excelentíssimos", mas a intenção, diz, era submetê-la à organização do FipaDoc, um festival francês de documentários ocorrido em janeiro de 2019. Daniela trabalhou como curadora do evento por mais de uma década antes de ser desligada em julho de 2018, após uma mudança de direção do festival. Mesmo assim, afirma, continuou colaborando com o FipaDoc, sem ser remunerada.
Douglas Duarte disse ter sido contatado por Daniela em novembro, às vésperas do Festival do Rio e após o Festival de Brasília (14 a 23 de setembro), onde "Excelentíssimos" estreou fora de competição, numa sessão lotada.
Animado com a ideia de ter seu longa exibido internacionalmente, compartilhou com Daniela a tal cópia digital. Desde então, disse, o diretor não teve mais retorno sobre a sessão na França. E só descobriu mais tarde a ligação de Daniela Capelato com "Democracia em vertigem", o que o levou a fazer a acusação.
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"Depois de alguma investigação, ( Anne ) Georget ( presidente do festival) me informou que Daniela havia de fato trabalhado na curadoria do festival em anos anteriores, mas foi desligada em julho de 2018. Quatro meses antes de se apresentar para mim como curadora do Festival, portanto", escreveu Duarte.
Procurado, o cineasta afirmou já ter ouvido falar em casos semelhantes, mas nunca tinha vivido na pele algo do tipo.
"Espero que as pessoas do cinema aproveitem (a acusação ) pra discutir transparência, conflito de interesses, temas de primeira ordem. Diversas pessoas me desaconselharam a falar sobre o assunto, outras disseram para buscar acertos de bastidor, mas pra mim o mais importante era levantar essa discussão. O bode está no meio da sala", diz Duarte.
Daniela confirma ter sido desligada do festival francês, mas reforça ter mantido contato com integrantes da equipe do evento.
"O festival mudou de conceito e diretoria. O ano de 2018 foi de transição para eles. Mesmo assim, me pediram para seguir colaborando. Mandei o link de "Excelentíssimos", assim como sempre fiz com outros filmes. Inclusive copiei Douglas nesses e-mails (Douglas afirma não ter recebido as mensagens ). Se a equipe do festival não encaminhou o filme para a nova direção, aí não sei. Mas eu mandei, sim, o filme, fazendo várias recomendações. É um documentário brilhante. Petra ficou chocada com a acusação. Douglas foi leviano".
A reportagem entrou em contato com a organização do FipaDoc e com Petra, mas não teve retorno.
Nas redes sociais, Karen Harley, montadora de "Democracia em vertigem", disse que “Excelentíssimos" não teve sua “montagem, materiais e roteiro” estudados. Para ela, o post de Douglas Duarte "insinua que Petra e sua equipe usaram de métodos anti-éticos e até espionagem industrial."
Disponível para aluguel nas plataformas Now, Google Play e iTunes, "Excelentíssimos" acompanha o dia a dia no Congresso durante os eventos que levaram ao impeachment de Rousseff, em 2016. Com narração do próprio diretor, ele defende que o processo começou a ser construído em 2014, quando Aécio Neves perdeu a eleição para Rousseff, mas não aceitou bem o resultado.
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"Democracia em vertigem", de Petra, também acompanha o cotidiano em Brasília, mas a partir do envolvimento da família da própria diretora na política. O documentário recebeu elogios da crítica estrangeira. A revista "Hollywood Reporter", por exemplo, considerou o longa uma "profunda reflexão de um cenário político conturbado". Petra é autora de outros documentários premiados, como "Elena" (2012), "Olmo e a gaivota" (2015) e "Olhos de ressaca" (2009).