Senão pela identificação, o antagonista marca o público com uma onda de sentimentos de repúdio, mas nunca passa despercebido em uma história. Quando se assiste uma novela ou um filme, embora o costume seja torcer para o mocinho, é impossível não sentir o impacto do personagem vilanesco na trama.
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Não é de hoje que as histórias contam com a presença da contradição ao protagonismo exercida pelo vilão . Longe disso. Desde os tempos mais antigos, as tramas desenvolvidas já traziam essa oposição ao bem personificada.
De acordo com o ator, diretor e professor universitário Luiz Lopreto, a vilania está presente desde os primórdios da arte: “Desde o início do teatro , na Grécia, você tem a figura do protagonista ou do herói, e a figura do anti-herói. De certa maneira, o anti herói vai surgir desse processo evolutivo depois de muito tempo”, o professor dissertou.
“O antagonista é uma figura muito importante, porque ele é literalmente o contraponto para construção da trama, do conflito. E o teatro é baseado na construção desse conflito. Isso a gente vê lá no início, mas a gente vê também no contemporâneo”, Lopreto completou.
Fernando Palacios, especialista em storytelling, concorda com a visão de Lopreto sobre o papel do antagonista na trama: “O antagonista é alguém que vai se opor aos desejos e objetivos do protagonista. É a personificação dos desafios, representa todo o grau de dificuldade que o protagonista vai encontrar. Então se o antagonista é muito bobinho, a trama tende a ficar bobinha, porque é ele que vai dar o teto dessa história”.
Imerso em características excêntricas que não passam despercebidas, o personagem adepto à vilania atrai o público e representa, na maioria das vezes, o destaque da trama em questão. “Muitas vezes o antagonista conquista o público porque tem uma visão alternativa que não necessariamente é excludente. O protagonista acaba sendo muito bonzinho e o antagonista acaba sendo mais humano, verdadeiro e até vulnerável, ou com mais falhas, o que é mais fácil da gente se identificar. Acaba sendo mais humano”, Fernando Palacios apontou.
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Construindo um vilão
Sobre a figura do antagonista, Fernando apontou: “A primeira característica do antagonista é que ele não necessariamente é vilanesco. Na prática, o personagem vilanesco de uma história pode ser o herói da outra. Ele não é necessariamente mau, porque o papel do antagonista é fazer uma força contrária, o contraponto ao protagonista, que é o herói da história”.
O especialista em Storytelling utilizou as obras de Shakespeare para contextualizar outra faceta do antagonismo: “Romeu e Julieta, que é uma história de Shakespeare. O antagonista é o Paris, que é o pretendente da Julieta. E ele é um cara muito legal, bem educado e cordial. Não há nada de errado com ele. Mas do ponto de vista do Romeu, ele é um concorrente. E como a história é vista pelo ponto de vista do Romeu, então o Paris é o antagonista”, Fernando dissertou.
Lopreto, que conta com diversas peças teatrais em seu portfólio, entre atuação e direção, enfatizou a importância da construção de personagem, tanto para os protagonistas quanto para os vilões: “É preciso analisar, a estrutura da personagem. A construção da personagem é o foco, na verdade, do desenvolvimento de como ela vai existir na trama. No caso do anti herói, é literalmente o contraponto. O espelho de uma ação”.
Sob o olhar de um vilão
O ator Mateus Solano deu vida a um dos maiores vilões da televisão brasileira. Trata-se de Félix Khoury, que em 2013 conquistou todos os holofotes por causa de suas crueldades, na novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco.
Um personagem verdadeiramente complexo, Félix percorreu a trama com inúmeros crimes, como jogar a própria sobrinha em uma caçamba de lixo e abandonar a irmã à beira da morte na rua, ou pagar o próprio motorista para causar um acidente e levar seu rival quase à morte. Apesar de tudo, Félix traça uma longa jornada até conhecer a bondade dentro de si, passando por conflitos internos e por reviravoltas em sua vida.
Questionado sobre a diferença de interpretar antagonistas, em comparação com outros papéis, o ator dissertou: “Durante muito tempo, essa diferença foi gigantesca. Hoje, essa diferença está se estreitando, porque cada vez mais estamos fazendo mais humanos. Mocinhos que erram, e que também cometem suas vilanias”.
Mateus ainda complementou: “Antigamente, o protagonista era inteiramente bonzinho e o antagonista era inteiramente mau. Nos últimos tempos, os personagens foram ganhando mais camadas, mais facetas”.
Solano trouxe à tona sua relação com o personagem de “Amor à Vida”: “Não dá para justificar o Félix, mas dá para explicá-lo. Nenhuma das malévolas dele é passível de perdão”, apontou o ator. “Eu não tenho nenhuma conexão com o Félix. Não é isso o que aproxima o ator do personagem, mas sim o trabalho de entender um personagem e de se colocar na pele”, acrescentou.
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Anos depois de interpretar o Félix, Solano encarou outro vilão da televisão, na novela “Liberdade Liberdade”, exibida em 2016. Na ocasião, o personagem interpretado por Solano se chamava Rubião. Sobre dar vida a esse outro antagonista, Mateus Solano declarou: “Foi um desafio, porque ele tinha poucos lados, era um verdadeiro antagonista. Foi um dos personagens que eu mais gostei. Consegui fazer um personagem com poucos gestos, mais contido. Aprendi muito”.