Antes de se tornar uma Secretaria dentro do Ministério da Cidadania, o Ministério da Cultura, em uma de suas últimas determinações, estabeleceu uma nova habilitação dentro da lei de direitos autorais.
A partir de 03 de dezembro de 2018, três instituições artísticas foram autorizadas a arrecadar direitos autorais . São elas a Gedar (Gestão de Direitos de Autores Roteiristas), a Interartis (Associação de Gestão Coletiva de Artistas Intérpretes do Audiovisual do Brasil), e a DBCA (Direitos Brasileiros do Cinema e Audiovisual).
A reivindicação da classe era antiga, e a própria lei de direitos é de 2013. “A luta por direitos autorais pela exibição pública de suas obras esteve no radar de associações de roteiristas organizadas a partir da década de oitenta”, explica Paula Vergueiro, advogada e diretora jurídica da Gedar.
Paula conta que só a partir dos anos 2000 a classe começou a se organizar, com a criação da Associação dos Roteiristas. A lei de 2013, porém, determina uma série de pré-requisitos para que associações fossem habilitadas por um órgão de administração pública – no caso, a Secretaria do Direito Autoral e Propriedade Intelectual.
Essas instituições farão a gestão coletiva nas três áreas do audiovisual : roteiro, direção e interpretação. A ideia é que, cada vez que uma obra seja exibida, os artistas por trás dela recebam uma remuneração compensatória.
“Esta concessão permite que as associações que foram habilitadas possam cobrar e distribuir direitos de autor e conexos no território brasileiro, nos termos da nossa legislação”, esclarece Victor Drummond, advogado e diretor geral da Interartis .
Antes dessa nova determinação, não existia uma instituição específica para fazer esse recolhimento, que era feito, se chegasse a isso, individualmente. “Em tese, tinha que colher direto do exibidor”, explica a advogada Tânia Aoki, da Mariangelo & Aoki Advogados.
Ela comenta que a nova habilitação é um ganho para os artistas, já que muitas vezes o recolhimento nem acontecia. Apesar de ser uma obra coletiva, a produção audiovisual costuma ter apenas um dono dos direitos da obra, que normalmente é o produtor.
Na prática
“Havia de tudo um pouco” comenta Victor sobre como a arrecadação era feita antes. Por conta dessas instituições não serem habilitadas para isso, não existia uma regra específica, e o valor era entregue – quando havia pagamento – de acordo com cada caso.
“Algumas empresas que atuam no setor promoviam o pagamento de direitos autorais diretamente aos artistas, outras o faziam de forma muito incipiente e não reconhecida pelos artistas e ainda havia outras que não pagavam nada e também não reconheciam os direitos”, conta Victor.
De acordo com a Secretaria Especial da Cultura, o licenciamento para a utilização das obras era mais comumente realizado diretamente com o produtor. Agora a concessão da habilitação permite, em tese, que a cobrança junto aos exibidores possa ser realizada diretamente pelos titulares, por meio de suas associações, de modo que possam ter um aproveitamento econômico proporcional ao sucesso que a obra alcança.
Para que os artistas de cada categoria recebam direitos autorais a partir de agora eles devem ser vinculados a alguma das três instituições. No caso da Gedar, o ato de filiação ocorre com a assinatura de três documentos: a declaração de associação, a autorização para o cadastro de obras audiovisuais em um sistema de dados utilizados pelas associações de gestão coletiva em todo mundo e uma declaração de autoria da obra. Qualquer roteirista que atue em meios de comunicação do audiovisual pode se associar.
Já na Interartis a única exigência é que o intérprete tenha participado de pelo menos uma obra audiovisual. “Quanto mais artistas forem associados mais representatividade se alcança”, explica Victor.
Você viu?
"Os artistas brasileiros alcançaram, com a Interartis, um enorme grau de comprometimento coletivo, excluindo definitivamente do imaginário a ideia de que são desunidos. Nunca estivemos tão fortes”, completa Gloria Pires, que assumiu um papel de destaque no debate e é Presidente da instituição.
De fato, muitos artistas se uniram no final de 2018 pedindo que o então Ministro Sérgio Sá Leitão habilitasse as instituições. Nomes como Drica Moraes, Sophie Charlotte, Dira Paes, Alessandra Negrini e Antônio Fagundes se pronunciaram entre setembro e outubro, meses antes da habilitação ser anunciada.
Agora confirmada, ela não é retroativa, ou seja, as instituições requerem direitos apenas de obras criadas a partir de 3 de dezembro, quando foi publicado no Diário Oficial da União. E, a partir de agora, essas instituições serão avaliadas anualmente para garantir que seguem cumprindo os critérios estabelecidos pela normativa.
“As associações devem apresentar ao respectivo órgão da Administração Pública Federal uma série de documentos e informações, com a finalidade de permitirem a atividade fiscalizatória e a aplicação de eventuais sanções”, explica a advogada do Gedar Paula Vergueiro.
Do contra
De acordo com informações da Secretaria Especial da Cultura, houve recurso da decisão, sem efeito suspensivo, mas que encontra-se para apreciação do Secretário de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual.
Victor explica algumas pessoas são contra alegando que o consumidor final vai “pagar” a conta, ou seja, as produções audiovisuais ficarão mais caras para consumo. A seu ver, porém, isso não deve acontecer e esse pensamento precisa ser desconstruído.
“Em nenhum país em que a gestão coletiva foi implementada houve qualquer aumento de custos para o consumidor”, comentou. Para ele, é compreensível que empresários queiram diminuir custos, “o que não pode ocorrer é a supressão ou desconsideração de direitos em nome de lucros exorbitantes”, acredita o advogado.
Seus dados, inclusive, apontam para o oposto: considerando do exemplo de outros países que tem habilitações similares, houve um aumento na produção nacional, já que a possibilidade de remuneração adequada incentiva os criadores. E ele crê que o mesmo deve acontecer no Brasil. Inclusive, a esperança da Interartis é criar um novo cenário artístico contributivo entre os artistas e as empresas que deverão pagar os direitos.
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Efeito no audiovisual
A nova legislação pode ou não afetar programas que são reexibidos na televisão? Pode, pois agora se uma produção for reexibida na televisão os artistas tem uma instituição para apoiá-los nessa cobrança, mas não pode por conta de cada contrato que o artista assinou relacionado à obra.
Nem Globo nem Record responderam pedidos para comentar sobre a nova determinação do Ministério, mas essa habilitação pode interferir em um hábito comum aos dois canais: a reexibição de novelas antigas.
O caso mais conhecido em relação a isso é o de Sônia Braga, que em 2014 processou a Globo por conta da reexibição de “Dancin’ Days” no Canal Viva . Ela pedia direitos de imagem por seu trabalho como a protagonista Júlia. Na época a emissora comunicou que os artistas recebiam os direitos de imagem, e Braga acabou perdendo o processo em 2018.
De acordo com Tânia, esse caso não sofreria alterações agora, pois quando foi julgado, não havia entidades habilitadas. Mas o novo cenário pode tornar mais favorável para os artistas exigirem suas compensações financeiras.
Em sua fase inicial, a nova habilitação de direitos autorais ainda deve passar por muitos entraves e acertos, mas em geral a determinação é considerada uma vitória para a classe artística. “O Direito é uma construção. E deve ser uma construção de elementos justos e equilibrados. Quando um grupo de pessoas luta por direitos e os alcança, todo o esforço valeu a pena”, concluiu Gloria Pires.